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     São Paulo -
Jornal Dance - Junior

Entrevista : Júnior

Abril/1997

"É absurdo fazer tango show, de palco, numa pista de baile."


Júnior é o nosso embaixador do tango em Buenos Aires, onde trabalha com Juan Carlos Copes, um dos maiores dançarinos de tango da atualidade.

Hoje com 27 anos, Júnior começou a dançar aos 16, em São Paulo, motivado pelo furor da lambada, no final dos anos 80. Em seguida fez um pouco de salsa e pagode. Em 1992 o Palladium apresentava um espetáculo de tango, "Uma Noite em Buenos Aires", e por insistência de sua parceira da época, Adriana Locilento, que tinha um amigo chileno no elenco, ele foi assistir. Nasceu aí sua paixão pelo tango.

Da paixão pelo tango veio outra, por uma bailarina, Silvia Toscano, com quem acabaria casando mais tarde, e que também era do elenco e estava separada do seu parceiro. Se aproximaram durante um baile no Avenida, começaram a namorar, a temporada do espetáculo terminou e ela voltou para Buenos Aires. Aí ele tomou uma das decisões mais importantes de sua vida: ir para lá aprender tango e ficar ao lado de Silvia, que se tornou sua primeira professora. Entre conhecer Silvia e se mudar de país, acreditem, foram só 15 dias.

Silvia trabalhava num programa de TV, o "Grandes Valores del Tango", no Canal 9. Apesar do nome, o programa mostrava mais outros ritmos do que o próprio tango. Foi a chance para seu acesso: em menos de uma semana Júnior estava trabalhando na TV. Neste processo em que tudo acontecia com extrema rapidez, sua admissão no famoso Tango Mio não fugiu do ritmo: foi morar em Buenos Aires em maio de 1992 e em setembro integrava o grupo. Mas com árduo esforço, de várias horas de aula por dia, com Silvia e depois também com Juan Carlos Copes e com Pepito Avellaneda, estudando em livros, vendo shows, vídeos, vivendo tango dia e noite.
Hoje separado de Silvia, de quem é amigo e ainda parceiro em espetáculos, Antonio Soares Júnior está radicado em Buenos Aires e tem viajado pelo mundo profissionalmente. Neste momento, por exemplo, pode estar no Japão ou na Europa. Mas sonha em voltar para o Brasil, como se verá nesta entrevista.

Dance - Como ocorreu sua aproximação com o Tango Mio?

Júnior - Em Buenos Aires existem cinco ou seis casas famosas, o Casablanca, Michelangelo, El Viejo Almacen, Tango Mio, e agora tem algumas novas, como Querandi e La Ventena. São as casas típicas de shows, para turistas. A Silvia já dançava tango há 10 anos. Já tinha trabalhado em quase todas as casas, conhecia todo mundo. E lá, quando sai uma audição, todo mundo fala para os amigos, para os bailarinos. Então a gente ficou sabendo assim, no boca a boca. Aí soubemos que o Fernando Soler precisava de dois casais, para completar um grupo de uns 15. A Silvia me chamou e disse "vamos em frente, acho que já dá", mas eu não achava, não. Mesmo assim fui, na cara de pau. E fomos selecionados.

Dance - Cada casa dessas tem um corpo de baile? Como é isso?

Júnior - É um pouco diferente do Brasil. Aqui o pessoal faz aula sempre na mesma academia, ou pertence ao grupo de shows da mesma academia. Lá cada casa tem quatro ou cinco casais, que ficam dois ou três meses, aí mudam, conforme a oferta e procura. Não há corpo de baile fixo. São contratos temporários, inclusive porque o bailarino tem muitas possibilidades de viagens. Se você está com contrato de um ano e aparece uma viagem você não pode fazer.

Dance - Aqui pouca gente vive só de dança. A maioria tem outra atividade, secundária ou principal, mas tem. Lá ocorre a mesma coisa ou tem um esquema mais profissional?

Júnior - Na Argentina a maioria se dedica à dança, 24 horas por dia, dando aula, fazendo aula, ensaiando e atuando em shows.

Dance - Como esse pessoal é remunerado?

Júnior - Depende de cada caso. Mais ou menos, para ter uma idéia, posso dizer que as casas pagam mais ou menos de 60 a 100 dólares por noite, para o casal. Só que trabalha todas as noites. Então um casal que ganha 100 dólares por noite acaba tirando uns três mil dólares por mês. Acontece que eles não trabalham só aí, estão sempre fazendo atividades extras, como festas, que pagam mais, até uns 500 dólares ao casal.

Dance - Como está o movimento do tango?

Júnior - O que se nota é que de quatro anos para cá o tango cresceu muito, tanto lá como no Brasil. Acho que está ocorrendo uma renovação da faixa etária que gosta do tango. Se você vai numa milonga em Buenos Aires, que é um salão de danças, você vê muita gente jovem, com menos de 25 anos, dançando. Há cinco anos, quando fui para lá, só havia gente com mais de 45 anos nesses lugares. Há um renascimento do tango, tanto na Argentina como no resto do mundo.

Dance - E qual é a razão básica, fundamental, disso?

Júnior - Voltando um pouquinho na história do tango, veja que ele não era aceito na Argentina, no começo do século. Foi para Paris, foi aceito na Europa, e voltou elitizado na Argentina. O processo se repete: o tango foi para os Estados Unidos, os americanos começaram a fazer filmes, veja o sucesso de Evita, começou a ter mais aceitação fora da Argentina. Aí eles retomam a aceitação. Veio de fora para dentro essa revolução.

Dance - Com mais gente jovem dançando, essa onda toda, isso não é apenas um modismo?

Júnior - Pode ser, mas acho que o argentino estava sentindo falta. Se a gente observar a dança de salão no Brasil, antes da lambada, verá que não era tão forte como hoje. Era mais a discoteca, a coisa comercial vendida pelos Estados Unidos.

Dance - Sempre tivemos as gafieiras.

Júnior - Certo, mas não havia tanta gente jovem como agora. O que atrapalhou antes foi o rock, imposto pelos americanos em vários países.

Dance - Há uma ilusão dos brasileiros de que todo argentino dança tango. É como achar que todo gaúcho gosta de churrasco. Como você responde a isso?

Junior - Tem muito brasileiro que não dança samba bem e muito argentino que não dança tango bem. Eu não danço samba bem, por exemplo, e sou brasileiro. Só que o argentino tem, e o brasileiro precisa aprender, esse sentimento do tango de dentro para fora. Não é querer fazer cara de tango se não sente nada na alma. Lá, em cada casal, nota-se que estão concentrados um no outro. Só os dois é o que importa. Não importa se a pista está cheia, se o sujeito da mesa está olhando o passo deles, se estão fazendo bonito ou feio. O que interessa é o prazer.

Dance - É boa essa colocação para dismistificar um pouco essa visão falsa e isso leva a uma outra pergunta: um brasileiro, não bom de tango, mas médio, pode dançar bem em Buenos Aires, num salão popular?

Júnior - Sem dúvida. O brasileiro tem a mesma capacidade do argentino de dançar tango. A música é um idioma universal. A única diferença é que uns cresceram ouvindo samba, outros ouvindo tango, e isso gera mais facilidade para se fazer uma coisa ou outra. Na verdade, tudo é questão de treino, de prática, se você fizer aula, escutar. Fiquei espantado no Rio. Fui numa milonga e vi todo mundo dançando com uma musicalidade que parecia que eu estava em Buenos Aires.

Dance - Você afirma que o Copes é o melhor dançarino de to do mundo, hoje. Com base em que essa segurança para dizer isso?

Júnior - Tudo depende do gosto de cada um. Para mim, o mais elegante, o mais completo, o de melhor estilo é ele. Hoje ele tem 66 anos e já não pode fazer o quem um sujeito de 25 anos pode. Mas tenho fitas e documentos que mostram que, com 30 anos, ele era o cara mais rápido, o mais elegante. Para mim é o mais completo. Ficou mundialmente conhecido com o show "Tango Argentino", que fez sucesso na Broadway (N. York) durante muitos anos, na década de 80.

Dance - Sozinho ou com outros?

Júnior - Com mais oito casais.

Dance - Coreografia dele?

Júnior - Não, cada cada um fazendo sua própria coreografia. Não era ele e seu balé, todos eram famosos, só que Copes era considerado a estrela principal, ou o mais comentado entre o pessoal que via o show e pela imprensa. Esse espetáculo, há dez anos, foi pioneiro no modismo do tango hoje. Por isso que falei que começou de fora para dentro da Argentina.

Dance - Os shows da Broadway têm sempre dimensão internacional, porque a platéia é internacional, não é apenas americana. Há risco até de haver mais estrangeiros do que americanos numa platéia de Broadway.

Júnior - Sim, e o Copes trabalhou muito com Piazzolla, nos Estados Unidos. Já estava acostumado com o público de teatro musical nos Estados Unidos e direcionou a dança dele também para esse lado. Para mim foi ele o criador do tango dança. Todo mundo era milongueiro, que é uma pessoa que dança bem no salão, subia no palco e fazia um show. Ele criou o tango dança, que seria uma escola de bailarinos profissionais, sem necessidade de dançar num salão. Na Argentina tem muito disso, a pessoa que dança bem no palco, não no salão.

Dance - Curioso isso. Qual a razão?

Júnior - Porque tratam-se de duas matérias totalmente diferentes. A maneira de segurar, por exemplo, é totalmente diferente. Na coreografia você não tem a necessidade de condução, como ocorre no salão. No palco você tem que explodir, dançar para fora. No salão você tem que dançar para dentro. No salão não tem necessidade de fazer exibição, no palco sim. Tem que procurar passos de efeito, difíceis, velocidade e outras coisas que no salão não se pode fazer.

Dance - Como você essa coisa que acontece muito no Brasil, que é o sujeito tentar dar show no meio da pista de salão?

Júnior - Está muito errado. É absurdo. Tenho batalhado nas minhas aulas e até falo: isso daqui vocode fazê não pode fazer nas pistas. Se você faz show eu te ensino isso. Se não faz show, vou te ensinar tango salão. Misturar não dá, inclusive porque pode chutar, machucar outras pessoas. Principalmente em São Paulo essa mentalidade precisa mudar.

Dance - Quem é sua parceira atual?

Júnior - A Silvia Toscano, com quem comecei na Argentina, casei, divorciei. Agora cada um está namorando pelo seu lado, mas a gente sempre trabalha junto.

Dance - E dá para trabalhar em dança com uma pessoa com quem você já teve um relacionamento de matrimônio, considerando que você tem um contato físico, tem a insinuação, a sensualidade? Como administram isso?

Júnior - No começo foi um pouco dificil. Mas quem tem uma cabeça boa consegue separar a parte pessoal da profissional. Confesso que no começo eu tinha ciúmes, essas coisas normais, mas agora a gente já conseguiu separar bem as coisas. Uma curiosidade é que o Copes também continua dançando há 25 anos com a ex-mulher, a Maria Nueves. Ele casou de novo, tem duas filhas com a segunda mulher, mas continua dançando com sua parceira profissional. Num show a gente está fazendo aquilo como ator, simulando estar super-apaixonado, mas a realidade é diferente.

Dance - Como você está vendo a dança de salão atual no Brasil?

Júnior - Saí daqui em 92 e nunca tinha visto alguém dançar um samba de gafieira, todo mundo dançava samba pagode. O meio cresceu muito em São Paulo de lá para cá e está começando a entrar muita coisa boa, em outros ritmos. O Rio está um pouco mais adiantado porque todo esse movimento de dança de salão começou um pouco antes lá. É importante perceber que agora vai entrar o ballroom dance, que é a dança de salão de competição, diferente. Os ritmos no ballroom não são dançados da forma tradicional. Há regras específicas, todo mundo tem que fazer igual, para se poder avaliar. Dois dançarinos soltos constituem algo muito subjetivo para um julgamento. Tendo que seguir regras é diferente.

Dance - Tem planos para o futuro?

Júnior - Muitos. Para 98 já temos um show contratado no Japão. Teremos que escolher orquestra, cantores, coreografia, guarda roupa, cenografia, tudo. Será um desafio muito grande. E planejo montar um espetáculo de tango, meu, no Brasil. Outro plano é vir mais para o Brasil, para tomar aulas e dar aulas. E tenho o sonho de poder me estabilizar um dia aqui no Brasil, de vez.

Dance - Você vive só de dança?

Júnior - Vivo.