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Editorial edição 81

O que a dança de salão de Santa Catarina nos ensina

Milton Saldanha

 "Baila Floripa - I Mostra de Dança de Salão de Florianópolis", promovida pela ACADS – Associação Catarinense de Dança de Salão, é um exemplo em vários sentidos para São Paulo e Rio de Janeiro, cidades que desperdiçam imenso potencial.

Quantas Florianópolis cabem dentro de São Paulo? E do Rio de Janeiro? Tomando como referências as populações das três capitais -- quase dez milhões em São Paulo, 5,6 milhões no Rio e 282 mil em Florianópolis – grosso modo se poderia dizer que caberiam 35 Florianópolis em São Paulo e quase 20 no Rio. Esses dados não são para elocubrações científicas, sociológicas ou antropológicas. Estão aí para fornecer apenas um item comparativo entre as três cidades, obviamente incomparáveis em qualquer plano de análise, exceto quando aplicados critérios de proporcionalidade.

Pegando-se nas três o microcosmo de um movimento muito saudável e divertido chamado dança de salão, e aplicando sobre ele, com toda liberdade poética, os mesmos comparativos populacionais, onde chegaremos? Em anos passados, quando este jornal mantinha aquele incomparável (modéstia à parte) roteiro de casas dançantes, o "Sugestões", fiz algumas contas tomando por base a capacidade média de público das casas. Eram 120 casas no roteiro, de São Paulo e ABC. Procurando ser conservador, para não incorrer em risco de exagero, constatei que num final de semana não dançavam por estas bandas menos que 40 mil pessoas. Como o roteiro abrangia só as principais casas, certamente as mais seguras e agradáveis, sem englobar a totalidade dos locais dançantes, algo que seria impossível, qualquer outra estimativa permitiria no mínimo dobrar esse número.

Querer comparar tais dados com a realidade da linda Ilha de Santa Catarina seria como querer comparar o exército dos Estados Unidos com o do Paraguai. Só academias de dança de salão a Região Metropolitana da Grande São Paulo tem mais de cem. Em Floripa são cerca de 15, no máximo 20.

Pois, com toda essa abissal diferença, e eis que Santa Catarina neste mês começa a dar grandes lições para paulistas e cariocas. Primeiro, porque já tem há mais de um ano uma entidade representativa, a ACADS – Associação Catarinense de Dança de Salão, dirigida por Alexandre Melo e Daniel Pozzobon. Onde estão as associações do Rio e de São Paulo? Segundo, porque realiza no próximo feriado de 1º de maio a sua "Baila Floripa - I Mostra de Dança de Salão de Florianópolis", evento que por sua organização e nomes que vai reunir, com certeza estará entre os melhores momentos da dança de salão brasileira neste 2002. A participação já confirmada de Jomar Mesquita, de Belo Horizonte, por exemplo, já representa uma assinatura de qualidade. Lá estarão também Fabio Bonini e Danielle Areco, de São Paulo, criadores do International Dance Competition; Edson Nunes, carioca radicado na ilha e detentor de vários prêmios do Festival de Dança de Joinville; Marcelo Leal, outro carioca lá radicado, da academia Passo de Dança e ex-dançarino da Cia. de Dança Carlinhos de Jesus; Luiz e Laura, também ouros da casa; Cristiano Alcântara, de São Paulo/Curitiba; quase certo uma equipe da 8 Tempos, de Curitiba; e muitos outros que ao fechamento desta edição ainda estavam por fazer inscrições.

É indiscutível que os Estados símbolos da dança popular no Brasil sempre foram Pernambuco, Bahia e Rio. Mas símbolo é apenas uma metáfora, uma alegoria. Realidade é outra coisa. Quem pesquisar, vai descobrir que sempre se dançou, e muito, em qualquer ponto do país. Quebra-se uma visão estereotipada e de certo modo impregnada de preconceito, pois ao se eleger símbolos exclui-se movimentos frutos da terra, aquilo que o gaúcho apropriadamente chama de nativismo, a mais pura e mais bela expressão da cultura regional. Hoje, por exemplo, numa cidade de clima na maior parte do ano convidativo ao recolhimento, como é Curitiba, há cerca de 4 mil pessoas praticando danças étnicas, fora os outros gêneros de dança, a ponto de ter até uma associação dos clubes especializados. Isso é uma maravilha, porque costumo dizer que nada, mas nada mesmo, reflete tanto a alegria de um povo como o modo e a intensidade que ele dança. Num povo submisso, reprimido e sofrido, a dança será o espelho da sua alma. Em lugares da terra onde as mulheres andam de cabeça baixa o balé é integralmente no plano baixo, um salto seria uma transgressão.

São Paulo, por seu porte e miscegenação, tudo tem e ao mesmo tempo tudo esconde no seu oceano de concreto. Costumo viajar por todo o país e hoje ouso afirmar que São Paulo é o primeiro em dança de salão, ainda que em termos coletivos no Rio se dance melhor. Basta comparar a quantidade de bailes e de academias para concordar comigo na primeira afirmação. E basta ver o baile rodando, no Rio, para concordar com a segunda. Influência cultural não sei lá de que diabo, o baile paulista continua engarrafado, é duro deslocar-se pela pista, e isso limita os recursos de qualquer dançarino de salão digno do nome.

Ver fatos novos surgindo em cidades como Florianópolis é muito bom. Representa a quebra dessas imagens pré estabelecidas. Quando certa vez visitei a Ilha da Madeira, território português, fiquei impressionado com pessoas de 60 anos que nunca tinham ido ao continente. Aquilo é um paraíso, de vales e montanhas floridas, rendeiras, pescadores, pastores com cabras, mas o mundo seria enfadonho se fosse todo assim. Tem que existir Nova York, tem que existir Paris, excitantes por outras razões, porque adrelina também é bom. Desde então as ilhas para mim se tornaram a imagem mais do que perfeita do confinamento, principalmente porque não podem crescer, o mar delimita seus anseios. Floripa é diferente, está pertinho do continente e tem uma bela ponte, seu cartão postal. É sua porta de entrada e de saída para o mundo. Está viva e ocupa seu espaço com encantamento provinciano, seus recantos bucólicos, suas lagoas e praias que convidam ao ócio, a amar, a dançar, a ser feliz. Lá estaremos degustando de sua magia. E aprendendo, sim, com humildade, suas lições. 

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