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Editorial edição 78

Uma proposta para a prefeita de São Paulo

Milton Saldanha

São Paulo poderia copiar o Rio de Janeiro e criar bailes populares, gratuitos, em praças públicas, com bandas e cantores famosos. Além da saudável diversão, isso pode ajudar a desenvolver uma consciência ética nas pessoas, assumindo caráter educativo.

Em modestos ranchos de praia, ou nos botequins das favelas, o povo sempre acha um jeito de viver seu direito à felicidade. Ali, quase sempre com dinheiro contado no bolso, as pessoas bebem sua cervejinha, conversam, paqueram, dão risadas e dançam com a mesma animação (ou talvez até mais) dos grandes e refinados salões. Sempre que vejo esses lugares pobres, com pessoas dançando, repete-se na minha cabeça uma constatação extremamente óbvia, mas talvez não suficientemente óbvia para os governantes e empresários deste país: não é muito, para não dizer quase nada, o que o povo precisa para sua alegria.

Recentemente publicamos texto muito enxuto, do Rubem Mauro Machado, sugerindo que São Paulo adotasse uma idéia que deu certo no Rio de Janeiro: bailes populares em praças públicas, animados por grandes bandas e inclusive com shows de cantores e cantoras de sucessos populares, muitos deles injustamente esquecidos.

Indo além, como é do gosto deste jornal, agregava sugestões para tornar esses bailes ainda melhores, como a colocação de pista com piso móvel de madeira, pois lá no Rio o pessoal dança sobre o cimento e isso provoca muito desgaste dos sapatos, além de desconforto e até riscos de contusões.

Os bailes populares atraem centenas de pessoas da terceira idade, que vivem de pequenas aposentadorias, mas também muita gente da faixa dos trinta e até jovens casais em busca de diversão a custo zero. Ali, por algumas horas, elas esquecem do desemprego ou do insulto salarial. Transformado em festa, o bairro sai da monotonia com uma vantagem incomparável em relação aos grandes espetáculos de palco, porque custam muito menos e o público deixa de ser passivo e se torna ativo. Mas, além dos dançarinos, muita gente vai só para ouvir a banda e os cantores e para curtir o movimento.

A idéia é um baile semanal, por exemplo, nas tardes de sábados. A Prefeitura tem duas opções -- um local fixo, com tudo já instalado e organizado – ou cada semana num bairro. A primeira opção, salvo melhor análise, parece-me a mais adequada, porque reduz os custos, dá menos trabalho, e estimula o hábito da freqüência, sobretudo com a colocação de ônibus e lotações diretamente dos bairros para o local. Minha experiência no ramo garante que as pessoas que gostam de dançar não se importam de se deslocar em longas distâncias, entre os mais variados bairros, ou até mesmo cidades da Região Metropolitana. Falando assim pode parecer um evento de grande multidão. Não é e nunca será. A chamada dança de salão – e nossa proposta é rigorosamente dentro dos seus limites, hábitos e convenções – tem público claramente definido, que ora se torna numeroso, ora se retrai, por razões que não interessam aqui discutir. Mas é assim, a realidade. A prova disso é que todos os dançarinos realmente praticantes se conhecem, pelo menos de vista, e fazem parte de determinados redutos, os lugares que mais freqüentam, geralmente com mesas cativas. Ou seja, somos realmente uma comunidade, ou melhor do que isso, uma comunidade saudável. Felizmente, brigas e confusões em bailes são raríssimas e quando acontecem geralmente envolvem pessoas estranhas ao meio.

Como o baile popular terá estranhos no ninho, que desconhecem nossos códigos e postulados, esses que fumam e bebem nas pistas de dança, por exemplo, defendo até que sejam contratados monitores das academias de dança de salão. Envergando coletes de identificação, eles organizam o baile e orientam os dançarinos. Se preciso, e raramente é preciso, acionam a segurança para afastar eventuais bêbados e outros chatos que ameacem estragar a festa.

Tomando de empréstimo conceitos e sábias palavras da bailarina Málika Gidali, do Ballet Stagium, que trabalha com menores infratores da Febem, vejo no baile popular, com a organização proposta, um instrumento de educação pública, porque, como ela diz, a dança ensina o respeito ao espaço dos outros. Tendo esse ponto de partida como fundamento, o baile popular tem que desenvolver uma consciência ética nas pessoas e isso lhe confere não apenas caráter de diversão, mas sobretudo educativo.

A prefeita Marta Suplicy já repetiu à exaustão que pegou uma Prefeitura falida. Ninguém duvida disso. Só que chegou o momento de trocar esse discurso pela imaginação, criatividade, iniciativa e sobretudo sensibilidade para perceber que além dos grandes projetos e das complexas preocupações existem as pequenas ações, como a proposta deste baile popular, que trazem resultados imediatos, com reflexos positivos no cotidiano das pessoas, e sem nenhum impacto no orçamento.

Artistas populares precisam de trabalho e seus cachês são modestos. Existem dezenas de bandas, que tocam nos bailes todos os dias, a preços bem razoáveis. Todas as bandas, em rodízio semanal, devem ser contratadas para tocar também nos bailes populares e assim a Prefeitura prestigia, apoia e ajuda a garantir emprego para um batalhão de pessoas modestas, os músicos profissionais.

Finalmente, a proposta: se a sugestão encontrar receptividade e se for de interesse da prefeita o jornal Dance assume o compromisso público de formar um grupo de trabalho, com voluntários experientes e qualificados, para montar todo o projeto, sem nenhum custo para a Prefeitura. Esse grupo poderá também acompanhar, como observador/consultor, sua execução.

O que acha dona Marta?

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