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Editorial Edição 76

 

O que estamos esperando 

para ter nossas associações?

 

Milton Saldanha

Uma coisa é brigar por algo sozinho. Outra, bem diferente, é contar com um coeso grupo ao seu lado. Uma associação pode ter várias finalidades, entre elas a de ajudar a reduzir custos e melhorar os ganhos dos seus associados.

Quem ler a matéria da página 8, sobre a Gafieira do Andrei, nesta edição, vai concordar conosco: é impressionante como as pessoas estão desejando mais integração entre os dançarinos e também entre as academias na dança de salão. De vinte entrevistados, para opinar livremente sobre aquele baile, sem qualquer tipo de indução, treze fizeram algum tipo de referência à importância da união dos dançarinos e/ou das escolas. Até parecia coisa combinada, mas não foi. As entrevistas foram individuais, em sala fechada para facilitar a gravação, e com exceção de um ou outro casal que entrou junto, ninguém tinha a menor idéia sobre as opiniões dos demais. Num dado momento este repórter ficou até preocupado, temendo que a matéria se tornasse monótona pela repetição da mesma idéia, mas logo surgiu a percepção de que apurava valiosa informação – a amostragem nítida, forte e incontestável de um sentimento coletivo da maior importância para a dança de salão.

Recentemente ousei uma análise neste mesmo espaço sobre as razões históricas e culturais que nos levam ao egoísmo e individualismo exacerbado. Este fato novo, o desejo de integração, inspira novas reflexões. Mas seria enfadonho filosofar, quando a evidência é simples e cristalina: de certa forma estamos todos muito carentes, e mais do que isso, cansados de guerra. É bom ter companheiros, oxalá amigos do peito, com quem podemos contar e trocar não apenas informações, mas também solidariedade e conforto. Tudo com muita paz no coração.

Exatamente no dia seguinte ao baile que fomos cobrir, nos chegou às mãos, por fax, um panfleto criticando os bailes a um real. Quem assinava era uma suposta Associação dos Empresários de Bailes de São Paulo. Mal nos colocamos a campo para localizar tal entidade e seus dirigentes e ficamos sabendo que ela não existia. O próprio autor do panfleto nos fez a revelação, seguida de outra: o forte desejo de que venha a existir. Tinha usado o blefe como uma forma provocativa para sentir as reações.

Então temos dois fatos concretos, a um só tempo, que é o desejo de dançarinos e também de promotores de bailes de realizarem sonhos gregários. Isso significa que estão potencialmente colocadas as condições essenciais e indispensáveis para que tais segmentos se organizem com suas respectivas associações, ou qualquer outro tipo de entidade que possa aglutiná-los e representá-los de maneira formal e oficial, sem cair na complexidade jurídica que é formar um sindicato. Poderia nascer uma rede de entidades, formada, por exemplo, pela associação dos promotores de bailes; outra dos donos de academias de dança; uma terceira dos professores de dança; e, quem sabe, até uma quarta, a dos próprios dançarinos independentes. Ajudariam na solução de muitos problemas que hoje são discutidos de maneira informal e isolada. Cada entidade cumpriria uma agenda fortemente centrada nos temas cruciais de sua área e exerceria o importante papel de fórum de discussões e de decisões do seu segmento. Pela natureza de cada caso, umas seriam mais profissionais, outras mais culturais, de arte e lazer. Assim, por exemplo, os promotores discutiriam assuntos como o baile a um real; os preços que pagam pelas bandas; os aluguéis dos salões. A associação dos donos de academias examinaria política salarial, critérios de contratação de professores, faixas de mensalidades, campanhas coletivas para novos alunos. A associação dos dançarinos buscaria convênios para descontos em bailes e escolas, organizaria seus próprios jantares dançantes, pacotes para viagens sem objetivo de lucro, teria um "serviço de parcerias", formando grupos de amigos para acabar com o chá de cadeira, dividir mesas; acertar caronas.

Quando os interesses maiores e supremos da dança exigissem, as entidades poderiam se unir e trabalhar em conjunto, como uma grande federação. Na hora dos interesses específicos, cada uma cuidaria dos seus associados, sem os riscos de dispersão que uma única e grande entidade fatalmente envolveria. Além disso, existem óbvios conflitos de interesses, que só podem ser tratados dentro dos respectivos grupos.

Todos sabemos que manter e fazer parte de entidades envolve trabalho, jogos políticos, saber lidar com vaidades, ter que ouvir opiniões contrárias às nossas, e muitas vezes aceitar e cumprir acordos em que fomos voto vencido. Democracia é isso. Temos que nos educar para aceitar da melhor forma seu preço. Mas tem suas vantagens. A principal certamente é sentir o valor da força coletiva e da organização. Uma coisa é brigar por algo sozinho. Outra, bem diferente, é contar com um coeso grupo ao seu lado.

Hoje, no mundo empresarial, até concorrentes históricos se unem para reduzir custos e obter ganhos de eficiência. O recente acordo entre "Folha" e "Estado" para distribuição conjunta dos seus jornais ilustra bem isso. Ambos percorreram durante anos os mesmos caminhos, nos mesmos horários, sem perceber que poderiam dividir essa conta. Agora fazem isso sem nenhum dano à saudável concorrência nas áreas de redação e publicidade. Com o acordo, nenhum perde, ambos ganham. Usando esse exemplo, podemos afirmar que os mais diversos acordos de cooperação poderiam ser estabelecidos no âmbito de cada associação. Que tal, por exemplo, entre os promotores de bailes, uma única central de atendimento telefônico para informações e reservas de mesas? Será que não seria mais eficiente e barato? Ou rodar todos os panfletos na mesma gráfica, dentro de um pacote, pelo melhor preço e com ganhos pela economia de escala? Ou dividir as despesas com materiais, tais como toalhas de mesas, entre bailes de dias diferentes? Ou, ainda, num lance mais arrojado, operando como uma cooperativa, comprar um salão para uso em rodízio, com uma agenda rotativa?

Tudo isso seria pensado e administrado pela associação, sem que ninguém perdesse sua própria personalidade e identidade. A concorrência continuaria existindo, mas com inteligência e sem atitudes mesquinhas. Isso vale também para as academias. O seu eventual concorrente pode e deve ser um aliado quando ambos ganham com isso, principalmente na otimização de investimentos. Exemplos: bailes de fim de ano conjuntos; pool para excursões nacionais e internacionais; parcerias em shows e workshops.

Não há o que temer, pois leis, regulamentos, estatutos, contratos e normas existem para prevenir e decidir dúvidas e conflitos. E nada é indissolúvel. É como no amor: seria uma pena não tentar.

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