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As alegre recordações de Decio, que um dia foi rei das pistas de dança

Dia 18 de outubro, Decio e Jan festejaram com grande baile seus 13 anos no Clube Vila Maria. Decio tem uma imperdível história de vida ligada aos bailes e à TV, que você vai conhecer agora.

Naquele tempo, lá pelos anos 60 e 70, academia de dança de salão ainda era raridade. Decio nunca pisou numa delas. Formou-se na prática e na raça, freqüentando os mais famosos salões de São Paulo. Ele é Decio Ciera, costuma divulgar só o primeiro nome, sem acento, hoje com 52 anos, promotor profissional de bailes. O carro chefe é o Clube Vila Maria, onde, em sociedade com Jan, bem mais nova no ramo dançante, comemora 13 anos dia 18 de outubro, sábado, ao som da poderosa orquestra e coral Barrados no Baile, do Rio de Janeiro, com 25 músicos, dos quais 12 nos metais.

Decio foi fera nas pistas e no vídeo. Foi também namorador, assumido. Alto e magro, usava cabelo e roupas estilo Elvis Presley, o lendário cantor e guitarrista que inspirou várias gerações de roqueiros, principalmente os Beatles. Na TV, quando ainda não existia vídeo, era tudo ao vivo, consagrou-se em concursos de dança, participando de programas populares. Vencia quase todos, e impressionava com técnicas de jogar a parceira para o alto, girando, coisa que alguns casais fazem hoje imaginando que revolucionam a dança.

Nasceu na Mooca, neto de italianos. A vida foi dura, pai feirante, começou a trabalhar com ele aos 8 anos, acordando às três e meia da madrugada para montar a banca, pior ainda nos dias de frio e chuva. O hábito ficou, até hoje levanta cedo, mesmo depois dos bailes. Trabalhou na feira até 14 anos, quando se tornou gráfico. A nova carreira durou só seis anos. Fazer bailes é fazer o que ama. Vale a vida, até mesmo os aborrecimentos. As alegrias contam mais.

Decio entrou no mundo da dança espelhando-se no irmão Jair, sete anos mais velho. Jair, que em setembro passado completou 70 anos, vivia nos bailes. Decio lembra-se até do primeiro baile da sua vida, aos 14 anos, uma festa de arraiá na Sociedade Amigos da Vila Formosa. Ficou muito nervoso, tremia. Havia duas irmãs gêmeas, foi quase empurrado pelos amigos para tirar uma delas. Dançou arrastando os pés, dois pra lá, um pra cá. Antes que completasse os 17 anos, Jair passou a levá-lo para os grandes bailes do Centro de São Paulo, um deles o Melodia, do Miro, no Palácio Mauá. Aí não parou mais. Como era grandão, e com ajuda de Jair, que trabalhava na polícia, entrava sem precisar mostrar documentos aos porteiros. Todos os domingos dançavam no Melodia, das 3 da tarde às 7 da noite. Corriam ao restaurante Gouveia, na Praça da Sé, jantavam, e retornavam ao Palácio Mauá para o segundo baile, do Oswaldo Leian, com a Orquestra Los Guarachos, até uma hora da manhã. Essa maratona dançante durou anos. Os bailes eram rígidos, cheios de proibições. Colar rosto e beijar, nem pensar. No início tinham que dançar com lenço na mão. Mas nessa fase já tinha caído a obrigatoriedade do paletó e gravata. Usava-se a chamada roupa domingueira, hoje apelidada esporte fino. Um detalhe folclórico é que não havia mesas, como hoje, só bancos. As mulheres ficavam de um lado e os homens do outro. Quando tocava a música os cavalheiros iam escolher suas damas. Mas não havia essa história de não dar tábua. Davam sim, na caradura, e homem que tinha fama de dançar mal acabava sobrando.

Decio freqüentou intensamente também o célebre Avenida Danças (não confundir com o atual Avenida Club). No Avenida pontificavam as famosas "táxis girls". Era oposto de hoje, quando muitas mulheres pagam personal dancers. Havia um talão para picotar em cada música. Amigo das dançarinas, e bom de pé, elas gostavam, burlava a fiscalização e dançava horas e horas sem pagar. Dançou muito com a famosa Thereza, já falecida, e com Elza, atualmente funcionária da Casa do Sargento, no Cambuci. Um dia se deu mal, foi flagrado e cobrado, não tinha dinheiro. Teve que deixar um relógio em garantia, além de voltar a pé para casa, uma "pequena" distância, do Centro à Mooca.

O garotão foi também rato de bailes de formaturas. Chegou a ir a 35 deles, num só mês. Sempre de gravatinha. Na volta, em turma, com o dia amanhecendo, vinham roubando leite e pão que eram deixados nas portas das casas. Todos famintos, comiam e bebiam até se fartar, pelo caminho. "Era um tempo bom e não havia ladrão", observa Decio. É, deu para notar...

"Havia muitas orquestras boas", lembra ele, que em poucos anos de prática nos salões já se destacava como exímio dançarino. Tão ágil, que passou a freqüentar programas de TV que faziam concursos entre dançarinos. Como ainda não existia o VT para gravações domésticas, ele não tem nenhuma imagem daqueles tempos, exceto em raras fotos. Havia dança de salão, e lá estava Decio, exibindo suas habilidades e ganhando prêmios, um deles uma bicicleta Caloi 10 com marchas, outro uma viagem à Bahia. De vez em quando uma graninha. Ganhou até máquina de costura. Imaginem, premiar dançarino com máquina de costura... Dançou, entre outros, em programas do Silvio Santos, Bolinha, Pagano Sobrinho, Airton Rodrigues. Neste último, ficou três meses disputando semanalmente com diferentes casais que vinham tentar conquistar a coroa. Mas o rei não entregava. Sua especialidade era samba e dificilmente perdia. Certo dia a coisa esquentou. Foi no Silvio Santos. Estavam lá os melhores dançarinos da época: Manteiga, Marmelada, Pixoxó. E Zé Preto, o mais temido. Decio queria ganhar do Zé Preto. Estava rolando pelos bastidores um abaixo assinado para excluir Zé Preto, com a alegação de que era profissional num concurso amador. Decio foi contra a idéia. "Porra, eu vim aqui pra ganhar do cara". E não assinou a lista. Só faltou apanhar. Zé Preto ficou. Começaram as eliminatórias: escolheram dez casais, os dois lá. Escolheram cinco, os dois lá. Escolheram três, os dois lá. Ficaram dois, eles. Quem venceu? Você vai saber mais adiante.

Seu verdadeiro mestre era o irmão, Jair, que por timidez não entrava nos concursos. "Comigo não tinha história – recorda – eu chegava e já chinelava a mulher por cima, jogava pra baixo, virava etc. e tal, e na hora das palmas era o preferido da platéia". Trocou várias vezes as parceiras, mas dançou muito tempo com Guilma Alves, com quem casou e teve uma filha, Iara, 20 anos, hoje bonita modelo. Guilma é responsável pela chapelaria do Vila Maria. Com o casamento, começou um recesso de três anos longe dos bailes. Quando voltou, já foi como promotor. Em novo casamento, nasceu Diego, agora com 12 anos.

Seu primeiro baile, como dono da casa, com dois sócios, foi no Independência do Brás, o Baile do Hawaí. Há 28 anos. Foi um sucesso. Tão grande, que Augusto, do Carinhoso, fez uma oferta irrecusável e comprou o baile por 6 milhões de cruzeiros, a moeda vigente. Era tanto dinheiro, que Decio, com sua parte de 2 milhões, realizou o sonho de comprar uma moto 400, zero. Depois de um ano, com o salão esvaziado, Augusto negociou o baile com seus antigos donos. Começou tudo de novo e não parou mais. Hoje, Decio está no Vila Maria, com Jan, aos sábados. Na Casa de Portugal, nas tardes de domingo. No Corinthians, a cada dois meses, com um baile especial. No Atlético Ypiranga, nas noites de terças. No Sírio Libanês, e no Santa Cecília, em Santos. Trocou de lado no balcão, mas não se afasta daquela energia e da adrenalina que brota das festas nos salões, das grandes bandas com seus acordes vibrantes e das calorosas relações humanas.

Ah, quase ia esquecendo... Decio ganhou do Zé Preto? O páreo foi duro. Parecia coisa de filme. Dançaram muito, suaram muito, fizeram tudo o que sabiam e ainda improvisaram um pouco mais. Mas Zé Preto era bom demais. Vivia de dança, dando shows, até no Rio, quando isso era raríssimo. Ninguém jamais conseguiu derrubar Zé Preto. Nem Decio, a fera das pistas naqueles inesquecíveis tempos.

Milton Saldanha

Jornalista

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Foto de 1973, no Lord Clube (atual Cartola Club). A partir da esquerda, Carlão, Leila, Guilma Alves, Decio (fazendo o gênero Elvis Presley), Elza e Bolão da TV
Decio hoje, com Jan, uma parceria que deu certo

 

 

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