Editorial edição 

Milton Saldanha

Momentos de puro encanto em Florianópolis, com Geovana y Fabián

O espetáculo de tango "Florianópolis, Menina de Ouro e Luz" foi deslumbrante. Há possibilidade de ser montado em São Paulo, mas merecia ser mostrado em todas as capitais brasileiras. Na primeira apresentação, no escuro de uma mudança de cena, um espectador não se conteve e quebrou o silêncio com um grito: "Ma-ra-vi-lhoso!" Foi aplaudido

Geovana y Fabián, marca artística de Geovana de Oliveira e Fabiano Silveira, dançarinos de shows e professores de tango de Florianópolis, assinou sua maioridade nas noites de 19 e 20 de setembro, no Teatro Ademir Rosa, do CIC – Centro Integrado de Cultura, o maior da cidade, com 964 lugares, amplo palco e toda estrutura técnica. A estréia nacional de "Florianópolis, Menina de Ouro e Luz", com a participação especial do poeta argentino Horácio Ferrer, autor da letra do tango que dá nome ao espetáculo, foi um dos mais lindos momentos culturais já vividos na ilha. Opinião compartilhada pela mídia local, que em massa prestigiou os jovens artistas, e praticamente pela totalidade do público de 1.784 pessoas, nas duas noites. A prova: além dos intensos aplausos após cada cena, e entusiásticos gritos de "bravo!", os aplausos finais, com as pessoas em pé, duraram 10 minutos na primeira noite e 13,5 minutos na segunda noite, cronometrados nas gravações em fita e vídeo.

Foi o mais belo e emocionante espetáculo de tango de grande porte que já assisti, com todo o respeito por muitos outros que também encantaram meus olhos e arrebataram meu coração, inclusive em Buenos Aires. A paixão que tenho por Florianópolis aumentou a intensidade desse sentimento, porque o que vimos e ouvimos foi uma belíssima e delicada declaração de amor à cidade.

Pena que foram só duas noites. Outros moradores da ilha mereciam também a chance de ver, inclusive com portas abertas, subvencionadas pelos poderes públicos, pois volta e meia gasta-se aqui no Brasil com grandes companhias de balé e orquestras do exterior. Nada contra, mas também tudo a favor do incentivo e prestígio aos nossos próprios talentos. Já se fala em trazer o espetáculo para São Paulo, o que seria ótimo, mas com pequenas adaptações que reduzam o impacto fortemente local e privilegie enfoque mais geral, centrado na própria História do Brasil, ainda que o eixo seja sempre a contribuição de Florianópolis. O detalhe já vem sendo considerado pela direção do espetáculo. Mas é apenas um detalhe. O que interessa é o todo, e este foi realmente empolgante em cada um dos 65 minutos de duração, passados com aquela sensação de rapidez de tudo que é bom.

"Florianópolis, Menina de Ouro e Luz", com orquestra de tango, corpo de baile, iluminação esmerada e recursos audiovisuais que mostram Florianópolis antiga, começou a nascer há quase 60 anos, quando o pianista uruguaio Pierino Codevilla desembarcou por mero acaso na Ilha de Santa Catarina. O barco em que viajava teve problemas mecânicos e foi rebocado para lá, onde ficou algum tempo para os reparos. Codevilla ficou tão impressionado com a beleza do lugar, que compôs um tango com o nome Florianópolis. Em 1998, duas pessoas, um brasileiro e um argentino, se interessaram pela criação de uma letra para o tango e acabaram se aproximando de um dos maiores poetas da língua espanhola, o argentino Horacio Ferrer. O poeta foi levado à ilha, que não conhecia, inspirou-se e escreveu "Menina de Ouro e Luz".

Pouca gente conhecia a história desse tango. O embaixador da Argentina contou para o ex-governador Esperidião Amin, que contou para a dona de um restaurante, que contou para Fabiano e Geovana.

A história não saiu mais da cabeça do casal, que foi a campo, em busca do tango, encantou-se pela música e letra, e passou a planejar um grande espetáculo.

Foram muitos meses de luta, começando pelo garimpo exaustivo e muitas vezes frustrante da busca de patrocinadores e apoiadores. Baseados em leis de incentivo à cultura, conseguiram finalmente verba da Fundação Franklin Cascaes, municipal, e ajuda de algumas empresas. O passo seguinte foi iniciar a produção. Fabiano foi para Buenos Aires mais de uma vez e voltou com contrato assinado com a sensacional Orquestra Internacional de Buenos Aires. Tocam Miguel Anchippi (piano), Javier Vier (violino), Pablo Araújo (contrabaixo), Daniel Spinoza (bandoneón), Claudia Armani (cantora) e Gustavo Lorenzo (cantor).

Geovana e Fabián estiveram acompanhados por elenco de dançarinos de altíssima qualidade, todos da cidade, integrado por Daniel Pozzobon, Sheila Ludwig, Gabriela Almeida, Orbe de Souza, Mirelli Porto, Ronaldo Rodrigues, Karina Collaço, Monique de Oliveira. Na área técnica, Norma Sueli, Bianca Barbi, Roger Barbi e Clarisse Pereira Nunes. Decidida quase na véspera, causou impacto a participação especial do poeta Horacio Ferrer.

O detalhe inusitado é que o casal estrela do espetáculo dançou com o grupo ocupando o fundo do palco. Com isso, fugiu da personalização excessiva e jogou o foco sobre o conjunto da obra. Além, claro, de valorizar o trabalho dos demais casais. Mas, como esperado e desejado pelo público, exibiu a qualidade do seu tango show em momentos exclusivos e inesquecíveis.

Geovana e Fabián agora não precisam provar mais nada e isso é um conforto. Podem continuar trabalhando e evoluindo com serenidade, libertos da ansiedade e da insegurança normal dos aspirantes ao reconhecimento. Agora são estrelas de primeira grandeza. Este repórter atesta isso, ao lado da crônica catarinense e junto com outras 1.784 pessoas que deixaram aquele teatro em estado de graça, com a alma purificada. 

Milton Saldanha

Jornalista

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