O MUNDO DA DANÇA



O TALENTO DE TREHÈT


Trahison é uma obra que mostra o jovem coreógrafo francês Philippe Trehèt em ótima forma artística e a sua companhia (ex-Le Galet Gris) em particular afinação. É uma obra oportuna.

Philippe Trehèt consegue em Trahison uma finesse pouco comum em coreógrafos de sua geração (nasceu em 66). Já desde o simples e efetivo início com os oito bailarinos alinhados sob os focos cênicos numa seqüência riquíssima e pura, cheia de achados dinâmicos; se percebe a excelência da confecção.

Assim como também se percebe no âmbito sonoro, a instigante entrada de músicas populares por detrás dos sonidos eletrônicos que dão ambiente à cena.

Se os bailarinos de Trehèt não estão perfeitamente ensaiados, estão sensivelmente ensaiados, demonstrando um raro feeling individual e de conjunto, e uma capacidade técnica bem proporcional às exigências da pauta coreográfica.

Se vêem dançando bem e parelhos de intencionalidade. Tanto o denso solo como o duo masculino têm belas seqüências e soluções refinadas, e assim como o segundo solo masculino e o solo feminino, estão executados com excelência.

Há motores físicos bem acionados e que chegam a um otimizado nível de rendimento. As contracenas e as cenas paralelas têm também um bom encaixe, chegando a ter alta comunicabilidade.

Um dos momentos de maior vibração coreográfica é o quarteto feminino, que depois se transforma em um sexteto junto a dois bailarinos. É uma dança repleta de elegantes detalhes formais, o que revela uma delicada elaboração.

A obra nos remete aos focos cênicos, na formação do início, desta vez quatro, cada um habitado por uma dupla de bailarinos, logrando um equilibrado desenvolvimento que culmina com um extenso duo, durante o qual se mantém um quinteto de contra-cena que chega inclusive a somar palmas ao violão do áudio num hábil contraponto. Este duo teve soluções de partenaire fluidíssimas e acertadas; produzindo verdadeiras cadeias dinâmicas e uma grande variedade de procedimentos formais. Sua conclusão sucede em realidade no quinteto da contra-cena, que remata a obra de modo elegantíssimo.

Dorian Crétey, Sergio Cruz, Patrice Leroy e David Rodrigo Balsalobre dançaram com notória integridade corporal e alta concentração. Nadia Debuf, Suzanne Holden e Christine Vivier tiveram personalidade artística e alto nivel técnico. Yoona Crais, que teve a seu cargo o duo final, brilhou em momentos de virtuosismo. Se bem não tem o mesmo tipo de sensibilidade que suas outras companheiras, seus dotes técnicos são impressionantes e as soluções obtidas para cada chegada ou saída das complicadas suspensões da coreografía, denotam uma solista com alta capacidade para desafios de partenairing.

A banda sonora criada por Jean-Jacques Schmidely e Romain Ponsot não poderia ter sido mais feliz. Acentua, sugere, propõe, varia e articula os climas cênicos com uma criatividade totalmente afinada aos fins coreográficos. Como afinadíssimo também com a proposta estava o vestuário de Catherine Garnier, apenas o necessário.

Trahison de Trehèt é dança com maiúsculas, feita por jovens talentosos que giram em torno da severidade da proposta, criando seriedade e procurando nuances mais profundas do fenômeno coreográfico.


Valerio Cesio

é crítico e coreógrafo