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MÉXICO NO BRASIL
Este ano o Festival de Danças
do Mercosul, Bento em Dança, focalizou o México para sua
programação artístico-pedagógica, o que lhe
permitiu aprofundar um pouco mais a visão dos participantes da dança
produzida num lugar específico, dança com certeza de origem
e identidade definida. Características próprias e individualidade
estética. Uma boa opção.
Pedagogicamente foi uma aventura interessante,
mestres mexicanos de ballet clássico, repertório tradicional,
metodologia do ensino do ballet, dança moderna (Graham), dança
contemporânea, composição coreográfica, iluminação
para a dança, modern jazz, show jazz e nutrição, abriram
um leque generoso do que se faz e se pensa na dança mexicana do
fim do século.
Na área de Ballet, Carmen Correa
(primeira solista da Companhia Nacional de Dança do México)
mostrou rigor e solvência; Laura Casas (Diretora do Programa de Educação
Contínua da Coordenação Nacional de Dança)
transitou os delicados caminhos inter-disciplinares que aproximam o ballet
das técnicas alternativas. Ambas óticas foram oportunas e
totalmente felizes.
Os outros gêneros foram desenvolvidos
com seriedade e competência pelos integrantes do grupo Delfos Danza
Contemporánea.
Oráculo Azteca
Delfos não é apenas um
grupo; é um projeto; e como tal tem atributos conceituais
que se combinam e alternam com os delineamentos de seu perfil artístico.
A comunidade délfica (6 bailarinos
e um técnico) nos traz aromas de maio de 68, reciclados e reeditados
para a América Latina de hoje. “Macondo” globalizada. Magia doméstica
e sensibilidade grupal em doses apropriadas.
A jovem companhia mexicana trouxe ao
Brasil 8 das 30 obras que compõem seu repertório, e através
delas se pode ter uma visão precisa do espaço estético
no qual Delfos está situada. Acima de tudo um espaço honesto.
“Trío y Cordón” é
uma obra emblemática (do ‘93) que marca o retorno de Victor Manuel
Ruiz e Claudia Lavista (diretores e bailarinos de Delfos) a seu México
natal depois de alguns anos integrando as filas de “Danza-Hoy” de Caracas.
Trata-se de uma obra genuína,
intimista, linear, que apesar de ter envelhecido um pouco, conserva uma
calidez por momentos enternecedora. “Cariátide” é o título
ilustrativamente contundente do solo que Victor criou para Claudia cinco
anos atrás, um crescendo coreográfico bem elaborado que se
dimensiona na poderosa execução.
A estética de Delfos eclode em
“El Banquete”, uma obra hiper-realista com traços de humor, onde
três gordas se brindam um ágape; o prato principal: um marinheiro
que por aí passava...
O banquete é um brinde à
despretensão, à exaltação da imagem maximalista
e tem na caricaturização das personagens e circunstâncias,
um de seus melhores aliados.
“Del amor y otras barbaridades” de Ruiz
nos diz que “toda manera de amar vale a pena” numa linguagem fluida, solta
e com certos achados formais. “La casa de Mondrian” de Lavista, eficientemente
interpretada por Xitlali Piña, nos traz um Musa Suso (com Philipe
Glass) simpático e de bom desenvolvimento coreográfico. “Me
dueles” de Ruiz é um dueto de homens (a mesma obra é executada
pela Cia. Nacional de Dança do México por um homem e uma
mulher) que toca cordas emocionais muito bem afinadas, uma proposição
coreográfica repleta de vivências, bem ambientada e bem executada
por Omar Carrúm e Agustín Martinez.
“Ave Fenix” do venezuelano Layson Ponce
é uma historieta linear estupendamente narrada que nos traz à
memória a imortal relação de Zampano e Gelsomina em
“La Strada” de Fellini. Os diretores de Delfos interpretam esta peça
com carismática desenvoltura.
Apesar de ser verdade que na maior parte
das obras do repertório de Delfos sobram alguns minutos para ganhar
em efetividade; as mesmas põem em manifesto uma postura estética
coerente, onde esses minutos têm o papel de corroboradores.
“Catulli Carmina”, um fragmento da célebre
2ª parte da trilogia “I Trionfi” de Carl Orff, em criação
coreográfica coletiva, é a peça mais fraca que o grupo
mexicano apresentou. Nem a coreografia, nem a proposta, nem a interpretação
(esta última um pouco mais) conseguem encher o intenso espaço
musical que Orff criou para os poemas apaixonados de Catulo. Uma proposta
esquecível.
É na coesão interna e
na relação entre os bailarinos em cena que Delfos tem um
de seus melhores aliados.
Não foi em vão que sendo
uma das companhias contemporâneas mais prestigiosas do DF, o grupo
fez uma mudança coletiva à cidade de Mazatlán, onde
fugindo da dispersão dos grandes centros urbanos, funciona como
cia. residente do T. Angela Peralta, investindo na concentração
de objetivos e na manutenção de valores próprios.
Tarefa nada fácil para aqueles que tomaram a valente decisão
de ser um grupo independente de dança contemporânea na América
Latina.
A jovem companhia mexicana prolongou
sua visita a Brasil participando da VII edição do FIDA (Festival
Internacional de Dança da Amazônia) onde repetiu o sucesso
de público.
Valerio
Cesio
é crítico e coreógrafo