O MUNDO DA DANÇA


LANÇAMENTOS EM DVD
A dança tem ainda um acesso tímido ao expansivo mercado do DVD. São pouquíssimos os títulos que se encontram nas prateleiras das casas mais especializadas do ramo
As cadeias de lojas que começaram a receber algo deste material são Virgin, HMV, FNAC e Tower, e mesmo sendo ainda incipiente é fácil prever a proliferação de títulos para a primeira década do século.
Nos Estados Unidos, os dois DVD que pisaram forte este ano 2000 são "Dancemaker" e "Dido & Aeneas"; constatando o talento ímpar de dois coreógrafos consagrados mundialmente. Paul Taylor e Mark Morris.
"Dancemaker" é um lúcido documentário dirigido por Matthew Diamond que recorta o mundo criativo de Paul Taylor com equilíbrio e bom gosto. Não faltam imagens das obras primas do “ex-partenaire” de Marta Graham, como "Esplanade", "Cloven Kingdom" e uma excelente montagem da famosa "Aureole" de 1962, misturando imagens antigas dançadas pelo próprio Taylor e imagens de ensaio da remontagem atual, numa edição impecável. Depoimentos na medida justa nos aproximam do dia a dia da companhia de Paul Taylor através das palavras dos bailarinos e seu diretor. São também de grande interesse os depoimentos de críticos de dança do peso e  importância de Anna Kisselgorf. que contextualizam e hierarquizam artisticamente o trabalho de Taylor.
Algumas cenas mais sociais da vida da companhia matizam o documentário, como a turnê pela Índia, que nos dá uma idéia mais precisa do convívio dos bailarinos com as diversas rotinas que a profissão impõe. O final do DVD é dedicado a uma das produções mais recentes do coreógrafo, "Piazzolla Caldera" em sua première em Nova Iorque, com a presença do figurinista Santo Loquasto dando os últimos toques ante a iminente estréia. Todo o filme exala seriedade e descontração na medida certa; não é em vão que foi indicado para o Oscar de melhor documentário, um fato inédito em se tratando de uma película sobre um coreógrafo contemporâneo.
UMA OBRA PRIMA
Mark Morris não para de criar, não para de produzir, não para de surpreender. O talento inquieto do reputado coreógrafo norte-americano não tem sossego. Ele vaza por todos os poros de seu (extenso) espectro criativo. Contemporaneidade corporizada num crisol de linguagens que atendem a cada impulso desta verdadeira máquina de coreografar.
Assim como no início do ano utilizou o vocabulário do ballet para seu estupendo "Sandpaper Ballet" agora escolheu a dança moderna como fonte inspiradora e geradora de formas e recursos cênicos de sua última produção.
"Dido e Aeneas" de Henry Purcell, a ópera barroca inglesa mais remontada até hoje, data de 1689 e tem uma longa tradição de aproximações coreográficas, entre as quais se destaca "Café Muller" obra “cult” da coreógrafa alemã Pina Bausch.
Em requintada produção da Rhombus Media e com a impecável direção de Barbara Willis Sweete, Mark Morris embarca numa aventura estilística sem precedentes. Ele cria esta obra a partir da dança moderna; atenção! não à maneira da dança moderna ou citando a dança moderna; e sim a partir do próprio ideário e natureza de linguagem dos antigos da modernidade. As ráfagas estéticas que circulam pelas veias de "Dido e Aeneas" nos trazem aromas de Ruth St Denis, Charles Wiedman, Mary Wigman, Mirian Winslow e Marta Graham.
Morris divide sua obra em seis unidades dramáticas (the palace, the cave, the grove, the hunting party, the ships e the palace) um prelúdio e um epílogo; e sobre este bastidor borda um dos exercícios estilísticos melhor logrados dos últimos tempos. O tratamento musical que Morris faz da partitura de Purcell é simplesmente primoroso, pontuando-a com cuidado extremo nos corpos dos bailarinos. Sobre esta relação artesanal tão precisa da coreografia com a música Morris constrói seu edifício narrativo, utilizando do modo de ver da modernidade, todas as gamas, todos os tons; exalando um respeito e admiração a toda prova. Uma verdadeira e oportuna declaração de amor à modernidade, na era do clip.
The Mark Morris Dance Group dá um verdadeiro show de interpretação, começando pela aguçada compreensão de estilo e o alto nível de concentração na relação da linguagem com a narração coreográfica.
A rainha Dido é encarnada pelo próprio Mark Morris em uma performance antológica, que por momentos parece estar incorporando o espírito da própria Marta. Ele lidera e contém a magnífica performance de seu grupo, do qual é indispensável destacar: Guilleremo Resto como o príncipe Aeneas, Ruth Davidson como Belinda e ainda Rachel Murray, Tina Fehlandt, William Wagner e Kraig Patterson.
"Dido e Aeneas" é uma aventura que deu certo, porque é uma viagem honesta onde ponto e momento de partida, veículo, ponto e momento de chegada entram em harmonia absoluta. E por isso foi uma viagem feliz.
PARIS
 A última temporada do século na capital francesa está prestes a terminar, e o fará com todo o vigor e a diversidade de que é capaz, como vem acontecendo nas temporadas de dança dessa capital nas últimas décadas.
 O Ballet da Ópera Nacional de Paris é a maior prova disso; com sua agenda dividida em duas casas de espetáculos: Palais Garnier (popularmente conhecido como Ópera de Paris) e Ópera Bastille.
No palco do Garnier o sueco Mats Ek e o israelita Ohad Naharin compartilharam um programa e logo depois veio o Nederlands Dans Theater a estrear uma obra de Jiri Kylian seguido da "Giselle" de Patrice Bart e Eugene Polyiakov. Na Bastille Carolyn Carlson montou seus "Signes" com cenários e figurinos de Olivier Debré e logo depois voltou a "Raymonda" de Noureev (Nureyev). Vanguarda e tradição dando-se as mãos.
 No Theatre de la Ville a temporada encerra com dois fetiches da pós-modernidade; a belga Anne Teresa de Keersmaeker e seu grupo Rosas e a alemã Pina Bausch com sua companhia Tanztheater Wuppertal, o século termina com a contemporaneidade em pauta.
No Chatelet a coisa continua quente com a estreia de How! Do! We! Do!, criação do polêmico norte-americano Bill T. Jones protagonizada por ele mesmo junto a super-estrela lírica Jessye Norman.
Com uma temporada assim ninguém tem coragem de sair da cidade.
Valério Césio
valeriocesio@cpovo.net

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