MOSAICO


PESQUISANDO DANÇA


A dança, como a mais efêmera das artes, aparentemente não está fixada em nenhum território delimitado no campo das investigações teóricas e historiográficas. Assim, sem fronteiras e inapreensível, a arte da dança não desenvolve raízes profundas como as grandes árvores, ao contrário, se espalha pela superfície da terra, como um rizoma. A ausência de uma raiz primária - característica da espécie vegetal da família dos capins como a grama, a bananeira, o milho, o arroz e o bambú ¾ permite que a dança seja uma arte universal, presente em quase todos os lugares e em todos os tempos, à medida que se organiza, desde épocas muito remotas, a partir do movimento vital da existência gerador da comunicação, do trabalho, do ritual e da arte.

No entanto esse caráter móvel e múltiplo dificulta a formação de objetos documentais, provocando, por assim ser, a necessidade de criação de fontes que possibilitem a sua historiografia. Como uma arte do instante em movimento, além do registro visual (fotos, filmes e vídeos) possível somente depois da fotografia, não conta com um texto, por exemplo, que a registre como evento cênico, apesar dos sistemas de notação existirem, por assim dizer, desde as pinturas rupestres, mas que não foram incorporados em grande escala nem por profissionais da dança nem por seus estudiosos.

Desse modo, o estudo, a pesquisa e o registro da dança esbarram, inevitavelmente, com o problema historiográfico, que de certo modo condiz com o dito popular: ¾ "Quem viu, viu. Quem não viu..." e é nesse sentido que o empreendimento parece apontar para um único tempo possível, o do agora, à medida que é a experiência do fazer-assistir, do testemunho e da participação que a objetiva. Pensando dessa maneira tornar-se-ia praticamente impossível resgatá-la do passado, atualizá-la e conhecê-la. De que outro modo, então, a dança, cujo registro já se dissipou no tempo, poderia ser rastreada? Que outras fontes, que não as visuais, seriam utilizadas na sua legitimação?

Há, de fato, outros caminhos a serem percorridos, uma vez que se pode tomar como referência os textos literários e dramatúrgicos, os relatos, as biografias, as críticas e os comentários que versam diretamente sobre dança, como também aqueles que a incorporam na sua própria estrutura de composição. Assim, opera-se com elementos imagéticos diversos que tratam de outras formas de produção, registro e recepção e, portanto, de novas possibilidades de se contar a sua história. Nesse sentido, o campo interdisciplinar se amplia num diálogo híbrido entre os códigos de comunicação e identidades compartilhados. Parafraseando Jacques Derrida, se a escrita representa a fala, pode representar, também, a dança.

De qualquer modo, ressalto, aqui, a importância da dança (como rizoma) nos estudos da cena contemporânea e na história do pensamento, já que, no II Congresso da ABRACE (Associação Brasileira de Artes Cênicas), esteve em cena quase o tempo todo, espalhando-se tanto pela voz do professor Carlos Paolillo, do Instituto de Dança de Caracas, na Conferência de Abertura do Congresso, quanto por muitas outras vozes como objeto de comunicação. Em todos os 7 Grupos de Estudo (GTs), que compõem o corpo de pesquisadores das artes cênicas no Brasil, a dança estava presente. Fora o GT específico de dança, que contou com 25 comunicações, foi tema nos outros GTs, como o de Processos de Criação e Expressão Cênicas que apresentou 21 entre leituras de textos e mostras de trabalhos, o Territórios e Fronteiras contou com pelo menos 10, e os outros GTs com no mínimo 2 comunicações sobre o assunto.

É com alegria que se constata o aumento expressivo do número de pesquisadores que estudam o corpo em ação, seja no espaço cênico, seja em outros espaços ¾ salas de aula, ruas, salões de festas, quadras, pistas de dança, picadeiros, espaços religiosos e ritualísticos ¾ e que enfatizam as relações do movimento, da criação atoral (do ator ou dançarino) e da composição textual com a dança e a arte coreográfica, além das interfaces disciplinares que se multiplicam quando o assunto é arte contemporânea. É interessante observar que a dança é tema principal de várias linhas de pesquisa de diversas instituições brasileiras como a UFF, UFRJ, UNICAMP, UNI-RIO, UFMG, UFRGS, UFSM, UERJ, UFBA, UES, UFSC, PUC, UDESC, UnB, entre outras, e que está presente tanto nos estudos pedagógicos, biológicos e antropológicos, quanto nos culturais, sociais e artísticos.

Pode-se afirmar, então, que a poética da dança se encontra na fronteira, na passagem entre uma disciplina e outra. A dança, como uma andarilha, atravessa territórios sensíveis e se comunica em todas as línguas, inclusive na do sonho e do silêncio, por meio de sua linguagem híbrida que é, sem dúvida, universal.

Seguindo na via dessa trajetória investigativa e com o intuito de compartilhar experiências e conhecimento, gostaria de anunciar um evento que terá a dança como estrela principal: o Encontro Laban 2002, que se realizará de 1 à 4 de agosto de 2002, no MAM-RJ, uma iniciativa do Centro Laban-Rio. Aos interessados que desejarem mais informações, o contato é: claban@vento.com.br.


Marina Martins é dançarina, coreógrafa,
diretora, professora e pesquisadora