MATÉRIAS



DEANIMA BALLET DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO


Um projeto que precisa dar certo


Concretizado pelo prefeito César Maia e pelo secretário municipal das culturas Ricardo Macieira, o DeAnima é um projeto que, de uma só vez, cria a companhia e a escola oficial de dança da cidade, além de uma associação sem fins lucrativos.

As metas estabelecidas são vigorosas e dão alento àqueles que clamavam por uma maior participação da administração pública no incremento das artes, em especial, a arte da dança. Prefeitura e secretaria foram seduzidos pela proposta idealizada pelo norte-americano Richard Cragun em parceria com o coreógrafo carioca Roberto de Oliveira, que trazem na bagagem, entre outros, o trabalho junto ao Stuttgart Ballet: Formar a companhia oficial de balé da cidade e criar o primeiro centro de formação em dança no país.

Richard, a frente do projeto como diretor, aposta em uma abordagem contemporânea, tendo um programa de formação que abrange o balé clássico, os métodos de dança moderna, as técnicas de contato improvisação, o release, além de realçar as disciplinas da arte coreográfica.

Na Companhia DeAnima Ballet da Cidade do Rio de Janeiro a idéia é ter um espaço onde através de programa de aulas e oficinas com profissionais renomados, possam nascer novos coreógrafos e bailarinos que se expressem com autonomia, sem limitar-se à execução, tornando-se também criadores.

Na escola, de caráter profissionalizante, o lema é a democratização do ensino da dança, em outras palavras: prioridade total para a formação de crianças e adolescentes de comunidades de baixa renda que tenham talento e aptidão para a dança. Com previsão para começar suas atividades no segundo semestre de 2002, promete uma formação ampla, dando aos artistas além da possibilidade de atuar nas mais variadas modalidades, desde o balé clássico até a dança de rua, aprendizagem e especialização em qualquer das técnicas paralelas à dança, tais como coreografia, iluminação, figurino, etc., garantindo inclusive uma alternativa à aposentadoria prematura a que são obrigados pela própria arte.

Para a formação são previstos 4 anos de estudo, sendo que os alunos serão captados através de convênio e parcerias com outras entidades de ensino e assistência social que desenvolvam projetos de educação artística junto à comunidades menos favorecidas. Para isso mais de vinte projetos de ensino voltados para o ensino da dança em morros e periferia da cidade já estão catalogados.

Richard e Roberto também respondem pelo trabalho de apoio e assistência a pequenos grupos e companhias de danças sem recursos; eles oferecem aulas que servirão para reforçar a formação dos alunos. Esta atividade já vem sendo feita em algumas instituições parceiras.

O DeAnima pretende, através desses contatos, selecionar aproximadamente 100 jovens, entre 12 e 18 anos, para compor a primeira turma da escola. Os estudantes devem obrigatoriamente estar cursando ou ter completado o nível primário ou secundário e a eles serão fornecidos todo o material necessário para as aulas, incluindo transporte, cesta básica e ajuda de custo.

Além de aulas, a montagem e apresentações de espetáculos tanto na sede da DeAnima quanto nas comunidades dos próprios estudantes serão usadas para a valorização do trabalho do jovem e a formação de novas platéias.

Para viabilizar todos esses projetos, convênios e patrocínios foi criada a Associação DeAnima Ballet da Cidade do Rio de Janeiro, entidade sem fins lucrativos, que tem como fundadoras Márcia Haydée, Ana Batofogo e Mme Eugênia Feodorova.

A sede do DeAnima ainda se encontra em obras. O antigo prédio de 1.600m2 com pé-direito alto, que fica localizado na Av. Rodrigues Alves, 143, na Praça Mauá passa por grande reforma para adaptação das instalações. Já estão prontos o palco de 10x13m2 e alguns vestiários; estão previstas ainda para o complexo: 4 salas de dança, 2 salas para aulas teóricas, escritórios, videoteca e biblioteca de dança, 4 vestiários, 1 cantina, 1 sala de ginástica aplicada à dança e 1 sala de repouso.

Recém criado, o DeAnima conta com ferrenhos defensores e opositores não menos determinados. “O Despertar”, sua primeira apresentação, recebeu críticas e aplausos, dividindo opiniões. Custos, bairrismos, monopólio, nomes, tudo é motivo de debate. A única perspectiva que não se deve perder é que projetos desse porte devem ser bem vindos, cuidados e acompanhados, pois abrem um leque de oportunidades e visibilidade que nossa arte muito precisa. É importante que sobreviva à questões políticas, à desagrados pessoais e à quaisquer outros argumentos que não se reportem à bela proposta social e de qualidade artística do DeAnima - para o bem de todos nós.



DeAnima por Eliana Caminada


Finalmente o Rio ganha sua companhia oficial de ballet, sonho que remonta aos tempos do ‘Ballet da Juventude’ na década de quarenta, uma vez que, evidentemente, nem todos conseguem ser absorvidos pela única companhia no gênero que o Brasil possui: o Theatro Municipal - que é estadual. A paixão de Richard Cragun pela nossa terra conseguiu o que há muito nós, bailarinos clássicos, reivindicávamos sem contar com a ajuda de um lobby constituído e ainda enfrentando a notória e até ostensiva má vontade da mídia para qualquer iniciativa que parta desse segmento da dança cênica.

Compreende-se a reação negativa de parte dos profissionais ligados à dança, batalhadores que lutam há anos por condições para realizar seus trabalhos e que consideram excessiva a verba concedida pela Prefeitura. Contudo é sempre bom lembrar ou esclarecer três pontos importantes:

1. A verba de R$ 2.000.000,00 destinada pela Prefeitura será paga até o ano de 2004 e cobre os custos da companhia, da escola que lhe dará apoio, do projeto social e da reforma do prédio onde funciona. Neste ano a importância a ser recebida - metade das despesas desta temporada foi adiantada pelo próprio Cragun - é de exatos 1.230.000,00 reais.

2. Os que hoje protestam já recusaram apoio a inúmeros artistas talentosos que faziam a história da dança contemporânea no Rio há muitos anos. De fato, muitos de nós, artistas da dança atuantes e interessados, nunca soubemos que critérios foram usados para compor comissões, representar o Brasil no exterior ou destinar verbas e espaços para apresentações ou funcionamento de grupos. Se vínhamos do clássico, então, sequer nos recebiam ou, no máximo, nos ofereciam o péssimo Cacilda Becker. O pretexto eterno de que já temos o Theatro Municipal nunca levou em conta o que foi colocado logo no início deste artigo. Portanto, nada mudou, apenas concedeu-se recursos a um profissional oriundo de outro segmento da dança, e esse profissional se chama Richard Cragun, dono de uma história inatacável e brilhante que merece, no mínimo, nosso respeito e irrestrita confiança.

3. Ricky, como é mais intimamente chamado, ao contrário do que muitos possam pensar, não aportou no Brasil ontem, nossa convivência com ele é muito antiga. Pessoalmente, sob sua direção, tive o privilégio de dançar o inspiradíssimo Opus 1 de John Cranko, ballet montado no Brasil pela primeira vez em 1968 para a Companhia Brasileira de Ballet e estrelado por Nora Esteves e Aldo Lotufo. Obra difícil, ao menos para a época, sempre tivemos certeza de que foi sua competência e serenidade que conseguiu levar a bom termo uma performance que se nos apresentava impossível.

Em tudo isso, o que me causou realmente espanto foi a preocupação repentina do senhor Artur Xexéo, cronista que nada tem a ver com o assunto e que nunca tentou entrar no mérito de um processo que envolve uma arte muito complexa. Confiando em seu estilo irônico enviei-lhe, certa vez, uma carta que o colocava a par da farta distribuição gratuita, portanto paga por nós, contribuintes, do livro ‘Projeto Cena Aberta’, patrocinado pelo Ministério da Cultura e do Trabalho, repleto de informações tão erradas no que tange à dança que poderiam ser assinadas pelos universitários do Show do Milhão.

Uma publicação errada, portanto inútil e deseducativa, pode sair muito mais dispendioso para o país do que o patrocínio oficial de uma companhia de ballet que significará mercado de trabalho para 24 bailarinos. Escusa dizer que a carta jamais mereceu resposta.

Tampouco interessou-se o editor-chefe do 2º caderno de O Globo pelo fato de Emílio Martins, um herói, um homem que dignificou sua terra realizando um feito jamais alcançado por qualquer profissional brasileiro nato ou não, o de ser ovacionado neste ano de 2002 por seu trabalho de remontador no Ballet Bolshoi no Teatro Bolshoi de Moscou, não ser motivo de uma reportagem, por menor que fosse.

Provavelmente também sequer ouviu falar de Thiago Soares, medalha de ouro do Concurso Internacional de Ballet de Moscou de 2001, que acabou de atuar como bailarino convidado do Ballet Kirov. Coisas de pouca importância, não é senhor Xexéo?

Então, por que a súbita inquietação com uma proposta alternativa que seria muito bom que sobrevivesse a este governo: dar apoio não a uma companhia composta por um integrante (nunca vi nada mais paradoxal), nem a um mega projeto como o Municipal e sua tradição, mas à uma companhia de porte médio.

Uma iniciativa que faltava para completar o ciclo de dança de uma cidade eclética, que não pode nem deve expulsar os excelentes bailarinos clássicos que surgem do país inteiro, que vão para o estrangeiro por falta de oportunidade. Ou ainda os obrigar a abandonar à força e até por serem desdenhados, sua excelente (reconheçam ou não) formação básica. E convenhamos, desde quando investimento em cultura empobreceu um país? Quem sabe a DeAnima é responsável pela epidemia de dengue?

Falar sobre a bagagem de Richard Cragun, um dos maiores bailarinos do século XX, é dispensável: todos os livros de dança destinam capítulos a suas atuações e criações paradigmáticas no Ballet de Stuttgart interpretando coreógrafos de importância ímpar para a história da dança universal e atesta sua ética com relação à dança. Se sua brasilidade ‘cármica’ levou-o a tentar desenvolver aqui seus projetos como diretor, prezado senhor Xexéo, e a fazê-lo com um coreógrafo brasileiro (e esperamos que dê oportunidade a muitos outros) sorte nossa.

O espetáculo de estréia – O Despertar - foi muito bem apresentado, goste-se ou não do estilo de Roberto de Oliveira. Fiel a suas convicções, Oliveira apresenta um trabalho que não é facilmente assimilável e que alterna momentos pesados com outros de grande leveza; mas ele sabe e usa a técnica clássica com propriedade ao lado da linguagem contemporânea através da qual se expressa. Todos os elementos, da escolha musical à iluminação, funcionaram de maneira irrepreensível. Os bailarinos contribuíram extraordinariamente para a qualidade da apresentação e até diríamos que o ótimo Pedro Goucha Gomes não faria falta no produto final já que cada artista foi muito bem aproveitado, um mérito que pode ser dividido entre o coreógrafo, o diretor e a excelência dos bailarinos.

A introdução do nome Ballet na marca da companhia, com sua grafia original e universal - não este horror que é escrever Balé no país do ‘estartar’ e do ‘recall’ – define o projeto de Cragun. Ballet, com rótulo de contemporâneo ou não, pressupõe utilização de um conjunto de bailarinos com longo investimento no aprendizado da dança e que gastam grande parte do que ganham com seu próprio material de trabalho. Sapatos de ponta, por exemplo, acabam facilmente e não são nada baratos.

Quero deixar claro que conheço os problemas de quem batalha por um lugar ao sol. Também tentei ter grupo de ballet, lutei por um espaço para trabalhar. Como eu, Tatiana Leskova, Eugênia Feodorova, Dalal Achcar, Eric Valdo, Heron Nobre e tantos outros mais, várias gerações. Cragun conseguiu e tem o apoio da própria Feodorova, de Márcia Haydée e Ana Botafogo, entre outros membros representativos do seu Conselho. Vida longa, pois, para a DeAnima; coragem para Cragun e Oliveira que apostaram no Rio embutindo na sua proposta um importante conteúdo social e pedagógico que espero seja, efetivamente, concretizado.


PS1.: Ter Rosália Verlangieri como mâitresse-de-ballet, garantia de bailarinos em forma e com excelente escola, qualidades indispensáveis para quaisquer projetos que envolvam técnica acadêmica, merece mais destaque no programa.

PS2: Parabéns à assessoria de imprensa da companhia que, sem discriminação, concedeu aos jornais especializados em dança o mesmo tratamento dispensado aos jornais de veiculação normal.

Eliana Caminada



JOINVILLE - 20 ANOS DE DANÇA


O 20o Festival de Dança de Joinville promete: de 17 a 27 de julho, Santa Catarina assiste ao evento que tem como característica maior a ousadia e a experimentação. Abrindo espaços, revendo performances e adaptando-se às alterações do mundo da dança, Joinville traz além do festival principal, a 3a edição do “meia ponta”, destinado aos artistas com idade entre 10 e 12 anos, a 2a da Mostra de Dança Contemporânea e as já consagradas apresentações nos palcos alternativos.

A Organização anuncia como principais mudanças do evento: o retorno da modalidade Danças Populares (dança de salão e folclórica), um padrão único de idade em todas as modalidades, o uso da Internet como ferramenta de comunicação, maior controle de identificação e sistema de ingressos diferenciados para os participantes (que perdem o passe livre e recebem descontos).

Haverá também seleção prévia dos artistas para apresentação nos palcos alternativos - desta feita, garantem os organizadores, em locais públicos escolhidos por permitirem melhor adequação estrutural e técnica.

Para o Festival de Dança as modalidades são: balé clássico de repertório, balé clássico, dança contemporânea, dança de rua, danças populares, jazz e sapateado. Serão escolhidos: melhor bailarino (medalha de ouro e R$ 3.000,00), bailarina (troféu Mirian Toigo, medalha de ouro e R$ 3.000,00), grupo (certificado e R$ 10.000,00), coreografia (certificado e R$ 3.000,00), Prêmio Revelação (medalha de ouro e R$ 3.000,00) e a concessão do Troféu Transitório.

Já no Meia Ponta as modalidades são balé clássico de repertório, balé clássico e danças populares, com direito a troféu para o 1o, 2o e 3o colocados. Na Mostra Contemporânea os grupos selecionados recebem cachê de R$ 2.500,00 e apoio logístico (passagens aéreas nacionais, hospedagem, alimentação, transporte local e de carga). Para os palcos alternativos não estão previstos prêmios ou apoios.

Mais informações: Instituto Festival de Dança de Joinville: Av. José Vieira, 315 - Joinville - SC - 89.204-110. Tel: (47) 423-1010 ou (47) 433-5021 Endereço eletrônico: www.festivaldedanca.com.br



Escola de Ballet Sesi Minas
melhor grupo do 19o FDJ



Revista Seleções traz uma experiência de dança


A revista Seleções do Reader's Digest é a mais vendida no Brasil. Tradicional, prima por oferecer textos que versam sobre os mais variados assuntos. Os artigos bem escritos, concisos e leves prendem os leitores que passam a partilhar de informações e opiniões de todo o mundo, de forma prazerosa e inteligente.

O texto a seguir foi extraído da edição de dezembro/2001 e conta a história de Lawrence Grobel, uma pessoa que, como muitas outras, imaginava que dançar era um privilégio exclusivo de alguns poucos eleitos, até que....



Se um desajeitado como eu consegue aprender o tango, então há esperança para todos.


EU SEI DANÇAR!

Por Lawrence Grobel


Desde criança, eu sempre quis saber dançar. Dançar de verdade. Adorava ver Patrick Swayze em Dirty Dancing - Ritmo quente. Ou John Travolta dominar a pista de dança em Os embalos de sábado à noite. E, é claro, adorava ver Fred Astaire e Ginger Rogers naqueles filmes do tempo dos meus pais.

Quanto a mim, não tinha a menor esperança. Meu corpo não obedecia à música que eu ouvia em minha cabeça. Eu dançava do mesmo jeito que nadava: errado, com a cabeça acima da linha d’água. Nos últimos tempos, já havia até desistido.

Até que, certa noite, no ano passado, minha mulher e eu fomos a uma recepção de casamento. Hiromi ficou encantada ao ver os pais do noivo dançando, girando pelo salão com confiança e graça, olhando um para o outro amorosamente a cada inclinação ou rodopio.

- Eu adoraria fazer isso – disse ela, enquanto dávamos passos desajeitados num canto do salão. – É tão romântico!

- Talvez na próxima encarnação – brinquei, esforçando-me para não pisar no pé dela.

Hiromi, entretanto, não tirava os olhos do casal.

- Eles parecem tão felizes juntos.

- Ei, espere aí! – protestei. – Não vá me dizer que, depois de 22 anos de casamento, não somos felizes só porque não sabemos dançar!

- Só estou dizendo que saber dançar assim não seria mau.

Bem, eu amo minha mulher e, se houver algo que eu possa fazer para deixá-la feliz, eu farei. Mas não estava nem um pouco disposto a passar por uma humilhação desse tipo.

Poucos meses depois, Hiromi me deu um presente de aniversário: um certificado do Estúdio de Dança Arthur Murray, valendo quatro aulas particulares, quatro aulas em grupo e quatro “festas” para praticar. E não havia como voltar atrás. A primeira aula seria dali a alguns dias.

Quando chegamos ao estúdio, eu estava mais nervoso do que já ficara em qualquer prova da escola. “Ao longo das próximas quatro semanas vocês vão aprender foxtrote, valsa, chá-chá-chá, tango e suingue”, anunciou Laura, a animada professora. Ela era jovem, flexível e tinha as pernas de Nicole Kidman.

“Primeiro, vocês vão treinar os passos básicos sozinhos, andando para frente e para trás diante do espelho”, explicou ela. “Depois, vão fazer o mesmo com seus parceiros.” Não é tão difícil assim, acrescentou.

Laura era segura, confiante e estava empenhada em nos ensinar. Comecei a relaxar, ainda mais depois de ver a expressão de pavor dos outros homens do grupo.

Assim, começamos: para a frente, para o lado, junto; para trás, para o lado, junto. Aquilo nós sabíamos fazer, alguns meio duros, a maioria desengonçada. Mas, com prática, conseguimos que um pé seguisse o outro e que o cérebro nos mandasse na direção certa.

Tudo mudou na hora em que formamos os pares, tendo que ir para frente e para trás ao mesmo tempo. De repente, estávamos dançando em direções opostas, três casais indo para frente, na direção do espelho, e os outros dois indo para trás.

Depois de meia hora, Laura introduziu algumas variações. Hiromi agora já começava a reclamar que eu estava indo para a esquerda quando deveria estar indo para a direita. “Você também não pegou o jeito ainda”, cochichei.

Quase no fim da aula, Laura pediu um voluntário a fim demonstrar o que deveríamos praticar em casa. Destemido, dei um passo à frente. “Primeiro, deixe que eu conduza”, disse Laura.

Não, não, eu queria dizer. Não sei ser conduzido, nunca soube. Isso é para mulheres. Mas não falei nada. Só fiquei vermelho como um pimentão.

Laura foi sensacional. Sabia exatamente onde colocar a mão em minhas costas e também como segurar minha mão, de forma que, quando me permiti ser levado, eu a segui com perfeição.

“Agora, você conduz”, disse ela. Com firmeza, pousei a mão direita em sua omoplata, ergui a mão esquerda na altura de seus olhos e saímos dançando.

Foi uma lição importante: se eu queria mesmo fazer Hiromi feliz na pista de dança, teria de ser positivo. Teria de me mover em várias direções. Ela precisava sentir que eu estava confiante.

Naquela noite, Hiromi e eu saímos da aula com a sensação de que havíamos realizado algo. Não estávamos exatamente em estado de graça, mas percebemos que tínhamos potencial – e ainda viriam o chá-chá-chá, a valsa, o suingue e o tango.

A valsa seria fácil; o chá-chá-chá, um pouco complicado; o suingue, difícil, e o tango...ah, o tango! Era a dança de Al Pacino em Perfume de mulher. A dança que lhe valeu um Oscar, depois de oito indicações. A dança do amor.

Durante uma das aulas em grupo, vi-me com uma professora diferente – outra jovem de pernas compridas, uma virtuose do tango.

- Olhe nos meus olhos e me segure com firmeza – ordenou ela. – Não dê passos tão longos. Dance!

Nem sei como, mas o fato é que atravessamos o salão com confiança, como se estivéssemos sob a luz de refletores, e eu não estava errando nada. Seria por causa dela ou por minha causa?, eu me perguntava.

- Hiromi – chamei - , venha dançar um tango comigo.

Foi quando entendi: era por causa dela. A palavra que eu mais ouvi de minha mulher foi “ai”.

No entanto, quando em casa pusemos para tocar a música de Perfume de mulher a fim de treinar um pouco, nossas duas filhas adolescentes não riram tanto de nós quanto faziam antes. Claro que demos alguns tropeços e às vezes perdemos a sincronia. Mas, quando abri os braços e chamei cada uma das meninas para mostrar como eram os passos, elas vieram. E agora não riam mais de mim, e sim de si mesmas.

“Depois de tantas aulas, onde vamos dançar todos esses ritmos?”, perguntei a Hiromi. “Não se dança foxtrote em qualquer salão.” Mal acabei de fazer a pergunta, porém, percebi o meu erro. Hiromi também. Porque a verdade é que, passado apenas um mês, meu velho sonho de dançar não era mais um sonho impossível. Claro que nem de longe éramos perfeitos. Mas, e daí? Por que se comparar com a perfeição que se vê no cinema?

Só sei que, anos depois de ter desistido, havia momentos em que meus pés não falhavam, em que o corpo de Hiromi e o meu se moviam como se fossem um – e nesses momentos era como se estivéssemos fazendo amor.

Eu gostava dessa sensação. E minha mulher também. Nós nos sentíamos próximos, de certa forma protegidos, nos braços um do outro. Estávamos dançando.



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