LINHA DIRETA



Cristóvão Montenegro dos Santos é carioca, tem 24 anos e dança desde os 15 anos. Fez sapateado, balé clássico, moderno e contemporâneo, tendo atuado na Cia. Márcia Pinheiro. Estudante do curso de História da Arte da UERJ, participou do Grupo de Artes Cênicas.

Com esse histórico, Cristóvão decidiu dedicar-se, como bailarino e teórico, em tempo integral à dança. Além das aulas no Lyceu Escola de Danças, está em seus planos o curso de mestrado em teatro na UNI-Rio e o desenvolvimento de um sistema de aplicação das teorias de Stanislavsky ao balé clássico.

Em nossa Linha Direta Cristovão faz crítica ao virtuosismo técnico. É um discípulo de Stanislavsky em seu conceito de que nenhum movimento deve ser feito em função do movimento? É uma opinião, é uma linha de pensamento, um questionamento, uma queixa, um ponto a ponderar ou a rebater? Você decide. Para o DAA é antes de tudo dar espaço e liberdade para ver a arte com os olhos da alma de quem ama a dança pelo dançar.

SOBRE A DANÇA, SOBRE A TÉCNICA


As aulas de dança, em suas diversas modalidades - ballet clássico, moderno, afro, jazz, contemporâneo, entre outras - deveriam sobretudo, e antes de tudo, beneficiar o corpo e a subjetividade do bailarino, jamais deveriam exauri-lo e sobrecarregá-lo com estímulos físicos que buscam sobretudo o preciosismo técnico e o virtuosismo do movimento. Tais estímulos, derivados de uma preocupação essencialmente técnica e cartesiana, do professor ou do coreógrafo, muitas vezes agridem e comprometem o corpo do bailarino, causando diversos transtornos tais como tendinites, lesões musculares, dores lombares, microfraturas, fraturas, hérnias de disco, entre vários outros.

Por outro lado, considero que a fixação estreita sobre a dimensão técnica pode trazer em si um esquecimento, o esquecimento daquilo que é essencial na dança, ou seja, ela própria: sua consubstanciação no prazer e na alegria do movimento livre e do gesto espontâneo; a manifestação plena do ato poético que seduz e emociona o público. Assim, a magia da dança vem a ser anulada por um processo muitas vezes estressante e desgastante o qual, se por um lado rende ao bailarino uma salva de palmas ao terminar sua magnífica apresentação, traz, por outro, sérias perturbações ao seu organismo. Considero a técnica um instrumento importante na arte, um meio de ampliação das possibilidades de movimento do bailarino, contudo, muito mais importante é a vigência da própria dança, é a manifestação da densidade do ato poético, é a expressividade do bailarino, é o molho sutil que ele joga alegremente pelo palco.

Devo dizer também que a valorização excessiva da técnica é um fator de discriminação e de preconceito em relação àqueles que desejam se dedicar à dança porém não possuem atributos corporais privilegiados que estejam de acordo com o sistema vigente. Em decorrência dessa valoração irrestrita empreendida pelos professores e coreógrafos às potencialidades da técnica, são excluídas de cena pessoas que poderiam se dedicar com sensível expressão, vitalidade, senso musical e emotividade – e que talvez impressionariam até mais do que aqueles nos quais só existe o brilho da técnica. Penso que o aprimoramento do corpo deve ser sempre buscado, porém de forma inteligente, respeitosa aos “avisos internos”, e jamais alienada às outras instâncias da expressividade, como finalidade em si.

Com certeza, antes da dança se manifestar no nosso corpo ela se manifesta em outras esferas, já se encontra presente na subjetividade do sujeito, que através do seu ânimo e da sua força vital, manifesta a dança no mundo externo, utilizando a técnica como veículo da sua expressão. É bastante desalentador observar a tensão no corpo e no olhar de uma bailarina que entra no palco apreensiva quanto às piruetas que vai realizar no final da coreografia. Seus gestos não possuem graça, não emanam força espontânea, seu olhar é pura preocupação. Perguntamos se ela dançou, no sentido originário que consideramos a dança, como celebração, como jogo, como troca renovadora de energias, como manifestação de vitalidade, ou se apenas se desgastou no palco. Certamente a dança não demanda o sacrifício demasiado de quem a ela se dedica, pede somente inteligência, bom senso, emotividade e alma.


Cristóvão Montenegro

Bailarino



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