ENTREVISTA


A DANÇA BRASILEIRA CONQUISTA MOSCOU

Emílio Martins, ex-primeiro-bailarino do Theatro Municipal chega aonde poucos sequer podem sonhar: vai remontar La Fille Mal Gardée para o Ballet Bolshoi. É isso mesmo, o Bolshoi de Moscou. Emílio, querido companheiro de tantos anos, hoje Coordenador de Dança da Funarte, realiza através do seu trabalho honesto, absolutamente dedicado, quase místico, todos os nossos próprios ideais. A estréia se dará no dia 20 de janeiro e daqui estaremos torcendo, aguardando ansiosos seu retorno e prontos a lhe prestar as homenagens que a mídia idiota não prestou, a reconhecer um feito que os que possuem uma tradição em ballet podem bem dimensionar. Sucesso companheiro! E seja bem vindo no seu regresso!

Professor Emílio Martins Remonta Balé para o Bolshoi

Eliana Caminada: Emílio, o que é coreologia?

Emílio Martins: São sinais escritos num pentagrama que permitem, a quem estuda esse sistema, montar uma dança, uma cena de mímica ou uma obra completa. É uma matéria muito inteligente dentro da dança; até hoje me surpreendo lendo os sinais e desvendando a coreografia através deles.

EC: Você é, talvez, o único latino americano credenciado pelo Royal Ballet de Londres para remontar a obra-prima de sir Frederick Ashton ‘La fille mal gardée’. Como se sente diante dessa responsabilidade?

EM: Sinto-me estimulado e, ao mesmo tempo consciente da responsabilidade que assumo. Sobretudo, porque além de atuar como coreólogo prossigo o trabalho como ensaiador, ou seja, escolho o elenco, ensaio, burilo o trabalho e apresento o resultado final, já nos últimos dias, ao tutor do ballet, CBE (Cavaleiro do Império Britânico) Alexander Grant.

EC: Para que companhias já montou essa jóia da criação universal? E para que bailarinos?

EM: Já trabalhei com o Ballet Estable do Teatro Colón de Buenos Aires, Balé do Theatro Municipal do Rio, The Royal New Zealand Ballet, Balletto Del Teatro Dell’Opera di Roma, Hong Kong Ballet, entre outras companhias. Em todas deixei as portas abertas para retornar. Tenho trabalhado com extraordinários bailarinos tais como: Margaret Ullmann, Ana Botafogo, So Hon-wan, Julio Bocca, Amy Hollingsworth (maravilhosa), Ou Li, Michael Wang (excelente), Yuri Klevtsov, Karina Olmedo, Alexandre Parente, Luíz Ortigoza (fantástico), Burníse Silvius, Priko Ochisi, Jon Trimer, Kim Broad, só para citar alguns, pois o prazer de conhecer e trabalhar com tantos bailarinos bons é muito grande e me impulsiona a fazer produções que vêm alcançando grande sucesso.

EC: E um convite feito pelo Bolshoi muda alguma coisa? Sabemos que não é qualquer estrangeiro que pisa nas companhias russas de ballet como convidado.

EM: Trata-se de um convite que remonta à gestão de Vladimir Vassiliev. Apesar de minha experiência internacional, considero esta uma oportunidade única. O Bolshoi tem uma mística; e, quanto mais não seja, sou o primeiro brasileiro a atuar na Rússia na condição em que estou atuando, não como bailarino de uma companhia estrangeira, como bolsista ou para participar de alguma competição. Vou montar um espetáculo para eles, minha excitação é enorme; além disso já tomei conhecimento de que terei à minha disposição seus melhores bailarinos. Também vou estar com meu antigo mestre Alexander Prokofiev, com quem trabalhei no Ballet Nacional de Santiago no Chile e rever Raisa Strutchkova e Marina Kondratyeva, ex-primeiras-bailarinas do Bolshoi que tive a chance de assistir no Municipal do Rio na década de cinquënta. Confesso que, por tudo isto, estou considerando este momento da minha carreira como o máximo, sem desmerecer todas as companhias maravilhosas com as quais já trabalhei. Considero isto um prêmio pela minha dedicação à Dança no Brasil.

 

Thiago Soares - Estrela em Ascensão

Thiago Soares - esse é o nome do primeiro brasileiro a conquistar a medalha de ouro do Concurso Internacional de Moscou 2001, na Rússia, a Pátria do ballet clássico. Refinado como qualidade de dança, muito lúcido apesar dos seus 20 anos, Thiago, um brasileiro comum, de classe média baixa, veio da street-dance para demonstrar que ballet é uma dança democrática que só reconhece o talento como medida de valor.

 

Eliana Caminada: Thiago, você tirou medalha de prata no Concurso Internacional de Dança de Paris com pouco mais de 16 anos. Como você chegou ao ballet clássico?

Thiago Soares: Como integrante de um grupo de street-dance procurei aulas de jazz para me aperfeiçoar. Encontrei Débora Bastos, a quem devo minha alfabetização em dança acadêmica, que avisou que só me aceitaria nas aulas se eu fizesse ballet clássico. Foi então que conheci Mariza Estrella e Angélica Fiorani. Foram elas que acreditaram no meu potencial, que me fizeram assumir a dança como profissão; libertei-me de meus próprios preconceitos e me apaixonei pelo ballet. E vieram as descobertas, os vídeos, os espetáculos, a convivência com o métier que ainda hoje me fascina e me motiva.

EC: Sua família lhe apoiou desde o início?

TS: No início foi difícil mas hoje eles apoiam 100%, apesar de conservarem preconceitos dos quais sequer se dão conta. É cultural mesmo. A principal preocupação de meu pai era e ainda é a minha segurança financeira. É notória a dificuldade que passam os bailarinos no Brasil. Até eu me preocupo.

EC: E Dino Carrera, o que significa na sua vida?

TS: Eu estava vivendo um momento familiar difícil e Dino entrou na minha vida como uma referência paternal. Além de tudo ele é senhor de uma considerável bagagem cultural que foi fundamental para que eu me preparasse para o concurso de Paris. Hoje ele é meu maior amigo e um grande orientador. Preciso estar preparado para tudo, até para situações extra-palco: como me portar em situações sociais, como falar, como decidir diante de convites, de futuro, de expectativas.

EC: E o Theatro Municipal, o que representa para você?

TS: O corpo de baile é a companhia do meu coração, é onde sempre quis estar desde que resolvi assumir o ballet como profissão. Aprendo muito com a experiência dos diretores e dos colegas mais antigos, passo bons momentos e momentos difíceis mas nunca diria que são maus. É onde eu gosto de estar, onde gosto de dançar. Vou viajar, trocar informações, aprender, viver novas experiências, dançar para outros públicos, mas não tenho vontade de romper os vínculos com o Theatro. Sei que sempre voltarei.

EC: Quais bailarinos mais ameaçaram seu primeiro lugar em Moscou.?

TS: O segundo colocado era do Ballet Kirov e o terceiro era um japonês muito bom. Não esperávamos voltar vencedores. Roberta (Roberta Marques, também bailarina principal do Municipal, obteve medalha de prata na competição) e eu queríamos apresentar boas performances e representar bem o Brasil. Passamos por problemas de contusão mas, quando precisamos de nossas forças e da torcida dos amigos, elas nos valeram e pudemos mostrar nosso melhor. Além disso nós nos completamos.

EC: Fale mais de Roberta, essa bailarina maravilhosa que o Municipal revelou.

TS: Ela foi fundamental. Dançar com ela, tão leve, tão linda, tão fácil, é dançar com tranqüilidade

EC: Acabamos de ver ‘Manon’ de MacMillan por Igor Zelenski. Achei-o uma maravilha. Gostaria de dançar um papel desse gênero, reservado, de técnica contida?

TS: Não tenha dúvida. Zelenski é meu modelo de bailarino. E apesar de que meu prêmio valeu pelos colegas, pelo sentido de patriotismo, eu gostaria de fazê-lo primeiro aqui no Brasil. Com exceção do Fantástico, fomos mais valorizados no exterior. O descaso dos brasileiros pelos próprios brasileiros é impressionante.

EC: Dalal Achcar trouxe Svetlana Zakharova para dançar Lago dos Cisnes com você. Foi uma aposta alta, de muita visão, o que ela já havia demonstrado em La Bayadère. Fale desta temporada.

TS: Dalal é extremamente importante para o ballet no Brasil. Preocupa-me perceber que seu papel nem sempre tem sido bem dimensionado. Ela representa muito para nós, fala a nossa língua, tenta manter um diálogo e solucionar problemas que surgem num cargo difícil e solitário. Temo que um dia sintam falta dela. Particularmente temos muito carinho um pelo outro e agradeço o nível de confiança que ela tem depositado no meu trabalho. Dançar com Svetlana foi um sonho, um presente inexplicável e inesquecível por parte de Dalal. Além disso ensaiar com Makarova, desde Bayadère, foi tão maravilhoso que me parece meio inacreditável (seus olhos ficam cheios d’água). Svetlana? Ela tem a simplicidade comovedora do grande artista; em cena ela é tão fascinante que emociona, carrega eletricidade com ela.

- E divaga - Não penso em platéias, penso no espetáculo. Adoro os espetáculos para as escolas. Sinto que o preconceito ainda existe mas diminuiu bastante; sei por mim mesmo. Estudei música, não pela parte cultural mas para ocupar meu tempo, teatro não fazia parte da minha realidade. Espero falar outros idiomas, encontrar alguém para dividir a vida e oferecer uma vida melhor para minha família e para mim mesmo. Quero ler, quero adquirir cultura geral, gosto de coisas refinadas. Adoro Aloísio de Azevedo.

Não deixaria o clássico. Para que? O bailarino de hoje precisa ser versátil e não descarto experiências inovadoras; mas o ballet ... é sedutor, é uma paixão irremediável.


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