CONSIDERANDO O SALÃO


É muito legal, mas não vou poder continuar...

Todos nós já dissemos isso um dia. Naquele curso de inglês que não concluímos, naquela tentativa de aprender tai chi chuan ou de desenhar com o lado esquerdo do cérebro.

Falta de interesse, de tempo, de dinheiro, seja lá por que, alguém sempre desiste de alguma coisa em algum momento.

Na dança não é diferente. São tão comuns as histórias de meninas que os pais colocaram em escolas de balé, para descobrirem pouco depois que nem a criança, nem eles possuíam a menor vocação para a disciplina e exigências da dança clássica.

Outras, apesar do interesse, não atendiam aos requisitos físicos para tornarem-se bailarinas. E há ainda aquelas que, sem condições para manter os gastos da formação, abandonaram a escola.

O mesmo acontece no jazz, na contemporânea, no salão.

Os professores ficam angustiados, os donos de academias preocupados. Os bons profissionais se questionam quanto a qualidade e método de ensino e aos reflexos financeiros.

Todos sabem que é difícil captar alunos, mas muito mais complicado é mantê-los.

Nessa relação tão delicada, tudo conta: as instalações, o ambiente, os colegas, o atendimento, a atenção especial, a sensibilidade aguçada para entender esse público tão diversificado. Até o fato de você não reparar que determinada aluna cortou os cabelos, ou que aquele garoto perdeu alguns quilos pode representar baixas na turma.

Na dança de salão, o aluno "padrão" é aquele que chega tímido, certo de que não tem o menor jeito prá coisa. Nas dez primeiras aulas é quase um trabalho de catequese convencê-lo que é assim mesmo, e que até os professores tiveram as mesmas dificuldades (e é verdade!).

Vencida esta fase, chegamos a uma situação engraçada. Eu chamo de impertinência. É quando mal se sabe o "cruzado" e no entanto, nos sentimos grandes dançarinos. Ainda não fazemos um passo básico decente e já queremos aprender o "balão apagado". Absurdamente, alguns chegam a lançar-se como professores mas esses, descompromissados, sequer vou considerar.

Nesse momento, manter a calma e resistir ao impulso de ser "popular" com a turma é o que conta. Afinal me comprometi a ensiná-los a dançar e não a fazer passos – o que é muito diferente.

Passada esta etapa, acontece uma calmaria. É quando a turma diminui. Uns, satisfeitos com o que já sabem, partem para novos interesses; outros, que já estavam com o orçamento apertado, abrem mão do lazer. Restam então aqueles que se apaixonaram, vão divertir-se nos bailes e aulas ou até quem sabe, apresentar-se, tornar-se professores.

É chegada a hora de ajustes finos, de trazer novidades e reforçar a aprendizagem. Esses alunos freqüentam bailes, eventos e outras academias, têm agora o olhar crítico de quem já não se ilude com acrobacias ou performances teatrais.

Uns ficarão na escola, pelo método, pelo prazer dos amigos, pelos bailes, pelo "clima" do lugar. Sempre há o que melhorar. Arriscam novos ritmos ou simplesmente querem turmas avançadas onde possam aprender mais.

Outros, agraciados com talento e atributos, tanto físicos quanto psicológicos, se dedicarão ou à arte de ensinar, ser professor, vendo na dança uma opção de carreira profissional ou à tornarem-se bailarinos, aprimorando performances e coreografias, buscando a arte da apresentação. Poucos, muito poucos, arriscam as duas opções.

Neste momento, acontece uma dolorida experiência: É quando efetivamente nos avaliamos como professores. Aquele aluno que, ainda outro dia, era incapaz de respirar e fazer uma trança ao mesmo tempo, é agora um ágil e muito bom dançarino. Muitas vezes, em uma ou mais modalidades, melhor que você, que lhe ensinou tudo que sabe.

Cursos em outras academias, outros professores e a troca com diferentes profissionais se tornam freqüentes. E passamos a ser comparados - se criticados ou elogiados, não importa. O que faz a diferença maior é que perdemos aquela condição quase mágica de "criador e criatura".

Imagino que é mais ou menos como se sentem os pais ao perceberem que seus "filhinhos" já são adultos e que agora cuidam de suas próprias vidas.

Restam dois caminhos: ignorar e fingir que nada mudou e continuar tratando-os como meninos desobedientes ou orgulhar-se muito do privilégio de os ter conduzido até ali e estar pronto para continuar crescendo junto ou, se isso não for possível, aplaudir seus vôos além.

Não é fácil trazer novos alunos para uma escola, todos sabem. Muito mais difícil é mantê-los. Mas é preciso saber a hora em que não se deve prendê-los.

Incentivo novas vivências e ambientes, isso ajuda a consolidar interesses e definir caminhos. É preciso conhecer, pesquisar e escolher o que lhe agrada, o que deseja fazer.

Quando meus meninos e meninas crescem, fico orgulhoso e rezo para que eles sejam felizes e não se esqueçam que sempre há algo a aprender; que para ser bom, a constante superação tem que ser diária, fruto de muito trabalho e dedicação. E isso não necessariamente será comigo.

A renovação faz parte de qualquer processo. Alunos, professores, dançarinos chegam, somam, dividem, contribuem e em algum momento irão embora. Fica a esperança de ser lembrado, se não com carinho, como alguém que fez diferença.

Nunca é fácil ouvir "é muito legal, mas não vou poder continuar", mas quando ouço isso pelos motivos e hora certa tenho a certeza do dever cumprido, da meta alcançada e me orgulho de ser professor.


  

Luís Florião
é dançarino e professor de dança de salão

Página Principal do DAA