CONSIDERANDO O SALÃO


FIM DE FESTA

Duas horas da manhã no salão vazio permanece a vibração do baile. O garçom sonolento recolhe os últimos arranjos nas mesas próximas. Das janelas abertas a brisa fresca da noite gela a camisa úmida.

Na varanda um vulto solitário parece não ter pressa. Ele acena e se aproxima, o rapaz ao meu lado pergunta:

Ele sai devagar, cruza o salão, devagar. Escolhe um cd, convida a dama e começa a dançar. E dança muito. Passos que já não mostra e não ensina. Pura técnica e prazer. O corpo esguio, em total sintonia com a música, esquece o cansaço, torna-se ágil e criativo. É energia e sensibilidade. É só emoção e movimento.

De repente, pára, o olhar no vazio. Baixa a cabeça, antes altiva, sem terminar a música, pede desculpas à parceira. Os dois vão embora.

Fico ali, quieto, parado. Tento esquecer o cara derrotado, corrompido e que não se dá conta que está vendendo a alma e assim mesmo está perdendo.

Tento acreditar que é só um momento. Que ele e outros tantos vão voltar e resgatar seus ideais.

Tento guardar a melhor imagem: a do dançarino que ama sua arte e sente falta de fazê-la com respeito e qualidade. Acredito. Preciso acreditar. É isso que me faz resistir.


  

Luís Florião
é dançarino e professor

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