COLUNA DA CAMINADA


UMA GRANDE ARTISTA QUASE ANÔNIMA
Ela sempre foi talentosa e curiosa; sua generosidade só é proporcional à sua timidez e competência. Um ser humano maior na sua absoluta integridade e dignidade, assim é Maria Lúcia Galvão, que retornou de Cuba no final de outubro, depois de levar quinze crianças para participar do Festival de Dança de Holguín. Vendo-a assumir posições para as quais se preparou sem alarde e sem qualquer preocupação com o lado glamouroso do mundo artístico, não tenho dúvidas de que estamos diante de uma artista-professora-pedagoga na acepção da palavra, profundamente humana, dotada de sólidos conhecimentos práticos - que sempre soube insubstituíveis e dos quais não se furtou a enfrentar – e teóricos, que as duas coisas precisam caminhar juntas; ensaiada por ela a excelente bailarina Flávia Burlini, na época uma garotinha, venceu, pela primeira vez, um dos festivais do Conselho Brasileiro da Dança.
Foi conversando com essa amiga e companheira, com quem compartilho, orgulhosamente, longos papos e muito afeto, que tomei conhecimento da viagem que contou com o apoio do Centro Cultural Banco do Brasil. Os trabalhos do grupo se desenvolvem no Centro de Artes Calouste Gulbenkian da Secretaria Municipal de Cultura em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, e abrange crianças da rede municipal de ensino na faixa de 8 a 12 anos. Como primeiro projeto de construção cênica, o núcleo investiga a dança a partir de eixos temáticos inspirados nas cantigas de roda e das brincadeiras infantis concentrando-se os estudos, atualmente, no universo que a genialidade de Villa-Lobos foi capaz de recolher, nas imagens que elas fornecem e na possibilidade delas se transformarem em pesquisa, ação, movimento, dança; abre-se a chance de apresentar o compositor, com sua brasilidade e universalidade, a crianças submetidas a um verdadeiro massacre cultural. O espetáculo intitula-se ‘MITOS DA MÚSICA E DA INFÂNCIA’ e as pequenas bailarinas apresentam-se em mostras, espaços alternativos e universidades.
A escolha do programa encantou organizadores e participantes do festival. Com coreografias de Lúcia e de Maria Inês Galvão os cubanos assistiram a: ‘Se essa rua fosse minha’ da coletânea do Guia Prático de Villa-Lobos para crianças com o Coro Infantil do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, ‘Cirandas’ interpretadas por Ney Matogrosso e ‘Sonho do Sono’ com músicas de Bia Bedran. Não deve ter sido fácil. A vida em Cuba é difícil, ainda que menores abandonados não sejam vistos pelas ruas e o investimento em educação e cultura seja mantido a qualquer preço; aqui no Brasil convive-se com a realidade de uma comunidade acadêmica equivocada, corporativa e com uma visão populista de cultura. Serenamente Lúcia sustenta que a arte educa; com ardor acredita no potencial criador da criança brasileira, procurando compreender seu contexto sócio-cultural sem se submeter, de maneira irrestrita, a essa contextualização.
Nossa infância não merece os falsos ídolos que lhe têm sido impostos pela mídia, falsos louros, vulgares, perniciosos para esta Nação brasileira. Ela merece o coração enorme e a sensibilidade de Maria Lúcia Galvão
Presentes da virada do Milênio
1. Não se iludam, não é fácil levar operetas à cena. Elas requerem profissionais que cantem, representem e possuam belas figuras. Um presente de Natal, o espetáculo ‘O Morcego’ encenado no fim do ano 2000 pelo Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Pela beleza da música de Joham Strauss, pela excelência da orquestra sob a batuta do Maestro Henrique Morelembaum, pelos magníficos cenários e figurinos de José Varona e pelas atuações irrepreensíveis (sob o ponto de vista de movimentação cênica, a única que tenho o direito de apreciar publicamente) de Paulo Szot – que extraordinárias as suas cenas - Rosana Lamosa, Marcos Paulo, entre outros ótimos artistas, incluindo Ana Botafogo, Marcelo Misailidis e os bailarinos, em geral. A coreografia também colaborou para a beleza do espetáculo e apenas a valsa poderia ter sido mais valsada, no sentido que lhe descrevia Goethe em ‘Werther’: ‘Nunca me mexi tão ligeiro. Já não era um ser humano. Ter nos braços a criatura mais adorável e valsar com ela, como o vento, de maneira que tudo que nos rodeia se desvanece...’
Gostaria de mencionar duas medidas, a meu ver, mais do que acertadas da direção do Theatro: mantê-lo funcionando nos meses de dezembro e janeiro e retornar à grande tradição do Corpo de Baile de participar dos espetáculos líricos. Nada confere tanta tarimba e conhecimento do seu ofício do que ouvir outros músicos, conhecer outros libretos, estar em cena o tempo todo, participar da ação dramática, esquecer por algum tempo os tours e as pirouettes. Ganha o público, o espetáculo e os artistas e convenhamos, tem muito bailarino que só ouviu falar de Minkus, Adam, Petipa e variação de ballet de repertório. Existe maneira mais fácil e prazerosa de adquirir cultura?
Quanto ao programa? Bem, tudo o que vinha dizendo aqui, nas mais diversas situações, sobre o papel do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, está resumido ali. Parabéns. Agora, que a companhia está viajando, deixa de ser estática embora torçamos para que continue estável, resta solucionar os problemas que impedem a divulgação pelo Brasil e para o exterior dos belos espetáculos que temos visto há uns bons anos.
PS1: Sérgio Domingues, supimpa ao valsar; Ana Quevedo, Tereza Ubirajara, Luiz Carlos Cavalcanti, João Carvalho, Roberto Lima, Renato Cabral, José Moura, etc, etc, etc, ótimos em cena. Chiquíssimos!
PS2: Regina Ribeiro um mimo no papel de Anna Pavlova; sua substituta na Valsa, Karin Schlotterbeck uma porcelana. Lindas!
 
2. Louvável a idéia de associar o Theatro Municipal às comemorações do cinqüentenário da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Seu teatro ficou superlotado, provando que a marca ‘Theatro Municipal do Rio’ se mantém intacta. Áurea Hammerli e Marcelo Misailidis, ausentes na temporada passada, mostraram-se lindos, Cecília Kerche estava um arraso no pas-de-deux de ‘Cisne Negro’ ao lado de Thiago Soares, tão excelente quanto sóbrio. Notável a regularidade das atuações da Ana Botafogo, um exemplo;  Norma Pinna e Rodrigo Negri, seguros e radiantes confirmaram suas performances no Theatro Municipal e ‘Shogun’, obra de fôlego, foi muito bem executada por Bruno Cesário e Renato Cabral.
3. De alto nível o espetáculo apresentado pela Academia de Ballet Eugenia Feodorova no fim do ano 2000. Além do reconhecido saber da própria D. Gênia, o espetáculo contou com o concurso de grandes profissionais como Armando Nesi. Não podemos deixar de mencionar também os professores do estúdio, todos excelentes, com destaque para Rosália Verlangieri e Isolina Rabello. Um espetáculo de fim de ano concebido com aquela dignidade reflete, sem dúvida, a qualidade do ensino e a mentalidade incutida nos alunos pela direção do estúdio. Uma pena que espetáculos desse nível não recebam apoio em nenhum nível; ao contrário, o que se assiste, por exemplo, de programação de ballet nas televisões chamadas ‘Educativas’ é lamentável e tendencioso. Até quando? Registre-se a beleza das coreografias apresentadas por Heron Nobre.
4. Aos queridos companheiros do Vacilou Dançou agradeço os votos de Feliz Natal e retribuo os de um ótimo e fecundo Ano novo. Nós, do Dança, Arte & Ação esperamos prosseguir com nossa tarefa de contribuir para a divulgação da dança, de todas as danças, e de todos aqueles que fazem dela a sua razão de viver: os artistas.
 
Eliana Caminada é professora de História da Dança na
UniverCidade e Universidade Castelo Branco
e foi primeira bailarina do Theatro Municipal – RJ
Página pessoal:  http://www.geocities.com/caminadabr/index.html

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