COLUNA DA CAMINADA


BATE PAPO COM BAILARINOS
Enquanto os três bailarinos Roberta Marques e André Valadão, novos valores do balé, e Eliana Caminada trocam idéias sobre a realidade vivida na cena clássica nacional, descortinam-se bastidores, revela-se um pouco da vida, experiência e esperanças desses artistas, presente e futuro de um segmento único da dança brasileira.
Eliana Caminada: Roberta você é formada pela Escola Maria Olenewa. Algum orientador marcou particularmente sua vida de estudante de ballet?
Roberta Marques: Acredito que sim, minha primeira  professora, aquela que despertou meu amor pela dança, foi Amélia Moreira, logo depois estive sob a orientação vigilante de Jacy França, Edy Diegues e Consuelo Rios. Outra pessoa que me incentivou muito foi a diretora Maria Luiza Noronha, e durante todo esse tempo fiquei sempre debaixo dos olhos atentos de  Tatiana Leskova. Tenho certeza que de todas eu carreguei um pouquinho, tanto em minha técnica quanto no meu caráter como artista.
Caminada: André, eu vi você, pela primeira vez, no Festival de Joinville de 1998 dançando com uma das primeiras-bailarinas do Boston Ballet, a brasileira Polyana Ribeiro. Embora não negue que fiquei impressionada com seu desempenho na ocasião, considero que você é hoje, um bailarino muito mais refinado, muito mais preparado para interpretar papéis do repertório clássico-romântico. Como se deu seu retorno ao Brasil e sua opção por uma companhia com o perfil do Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio?
André Valadão: Voltei da França  após dois anos trabalhando em companhias em Paris e Mulhouse por causa de um problema no joelho direito. Fiquei parado por um ano, quando alguém me indicou um fisioterapeuta cubano que estava morando em Vitória, chamado Vicente Hernandes, que me ajudou  não só com o joelho mas também a readquirir forma. Tornei a dançar e, em Joinville, fui convidado por Jean -Yves Lormeau a participar do final da temporada 1998 do teatro nos primeiros papéis de "Daphnis et Chloè" e "A Bela Adormecida". Sempre fui apaixonado pelo ballet clássico, e sendo este o único teatro do Brasil que  possui este tipo de repertório, nada mais lógico que me apaixonar também pelo Theatro Municipal.
Caminada: Roberta, você era somente uma menina talentosa quando se apresentou na gala da minha despedida, lembra? Hoje você emociona o público mais exigente, além de mostrar um domínio técnico de nível internacional. Em que momento considera que começou, realmente, sua grande ascensão?
Roberta: Penso que meu desenvolvimento como artista se deve, inicialmente, à confiança demonstrada por Jean Yves Lormeau, que deu meus primeiros grandes papéis dentro do corpo de baile do teatro, "Daphnis et Chloè" e "A Bela Adormecida". Mas o real amadurecimento veio nos últimos dois anos, sob a direção de Dalal Achcar e Gustavo Mollajoli. Há uma curiosidade nisso tudo, desde "Daphnis et Chloè" temos estado no palco juntos, André e eu, e tem sido muito bom , pois é maravilhoso poder contracenar com quem se ama.
Caminada: A direção de Jean-Ives Lormeau, tão polêmica, passado pouco tempo, revelou-se significativa. Como foi a relação de ambos com a figura autoritária mas indiscutivelmente competente de Lormeau?
André: No meu caso, como já disse antes, cheguei ao Theatro Municipal através do convite de Jean Yves, por isso sempre tive uma relação muito enriquecedora com ele.
Roberta: Chorei muito por causa dele, pois exigia muito de mim e eu ainda sentia um certo medo de enfrentar os desafios que ele impunha, mas isso me ajudou muito a crescer como profissional, pelo que sou muito agradecida ao tempo que ele me dedicou.
Caminada: Gostaria de perguntar como aconteceu a paixão de vocês. Pintou logo, foi produto da convivência, foi admiração, enfim, o que desencadeou esse romance?
André: Cheguei ao Rio de Janeiro em agosto de 1998 para participar do final da temporada deste ano com o corpo de baile do Theatro Municipal e logo nos primeiros dias me encantei por uma bailarina que ficava sempre pelos cantinhos fazendo piruetas sem parar. Acho que a paixão foi instantânea, coisa de bailarino, a tendência a se apaixonar pela "linda bailarina" é comum no meio, quanto mais em se tratando de Roberta, que ainda por cima é muito bonita. Daí em diante a côrte foi rápida, saímos juntos algumas vezes e depois de alguns dias começamos a namorar.
Caminada: Sou mulher de bailarino, Eric Valdo, fato que deixou meu pai absolutamente sereno e confiante na realização da minha vida artística e pessoal. Penso que a paixão e a dança são experiências humanas exclusivistas – não sei se concordam comigo – não aceitam divisões internas, ocupam todos os espaços da nossa vida. Acho quase fundamental que bailarinos se relacionem entre si, que encarem o dia a dia a partir de uma mesma necessidade vital de se entregar à dança em tempo integral. O que pensam sobre isso? Em tempo, não estou afirmando que nossos encontros acontecem por qualquer razão lógica. Estão me entendendo?
André: Acho uma verdadeira bênção quando duas pessoas que se encontram partilham os mesmos interesses, ideais e ambições, mas principalmente o mesmo momento espiritual. Por isso acho que bailarinos tendem a se unir entre si.
Caminada: Concordo. Gostariam de falar alguma coisa sobre o futuro de vocês, sobre os planos em comum, sobre suas carreiras?
 André: Acho que por enquanto estamos mais concentrados em planos pessoais, provavelmente casamento no próximo ano; quanto ao lado profissional estamos interessados em desenvolver nossa carreira dentro do Theatro Municipal, acredito que podemos construir uma bela carreira dentro do país.
Roberta: Ambiciono tornar-me a melhor intérprete que eu puder e eventualmente ser primeira bailarina do teatro. Espero que isso venha a se realizar em breve na minha vida.
Caminada: Algum recado para os críticos? Impressiona-me o desconhecimento da dança acadêmica e mais do que isso, a pouca ou nenhuma vontade de conhecê-la, o que não tem impedido que as críticas sejam publicadas. A improvisação e o empreguismo são notórios quando se trata da área de dança, isso sem falar na negação do direito de resposta dos grandes jornais, todos amparados na sua censura interna, impedindo que qualquer protesto venha a público e desnude a incompetência de seus funcionários. E que crítica é essa que não divide com o artista o risco de errar? Cômodo, não acham? Não precisam responder se entenderem que o silêncio é mais significativo.
André: Acho que o recado vai mais para os jornais que para os "críticos". As instituições de mídia de um país como o Brasil têm acima de tudo a obrigação de educar, para isso precisam contar com pessoas instruídas em cada área na qual resolvem se aventurar. Em termos de dança sabemos que isto não acontece, são pouquíssimos os críticos sérios nessa área, dos quais, sem medo, posso destacar seu nome. O mais triste é ver pessoas que não estudaram para tal, que claramente não entendem nada de ballet, tecerem comentários e críticas sobre espetáculos e bailarinos se baseando pura e simplesmente no "press release" distribuído  pela produção do espetáculo, como aconteceu na última temporada do Theatro Municipal. O trabalho que executamos é duro, sério e acima de tudo pouco reconhecido demais para que ainda tenhamos que ouvir de uma pessoa completamente despreparada que sua técnica não é boa o suficiente ou que sua atuação não é convincente. A dança não é teatro nem educação física, é uma arte única, e deve ser tratada como tal; criticada sim, mas com competência e conhecimento profundo acima de tudo.
Caminada: Também nós, artistas da dança e público brasileiro, esperamos vê-los dançando muito mais, e sendo respeitados à altura dos desempenhos que têm mostrado; exigimos ainda, mesmo que só para efeito de programa, de regulamento interno (já que o Estado não discerne alhos de bugalhos) que artistas como você, Roberta, e mais Norma Pinna, Renata Versiani, Fernanda Diniz e Thiago Soares, sem falar em profissionais que no momento não estão atuando ou naqueles que por motivos pessoais se afastaram muitas vezes da companhia - pelo brilho que alcançaram em papéis de enorme responsabilidade - o título de primeiros-bailarinos; já concedido, com muita justiça, a André Valadão e Marcelo Misailidis. O Brasil merece!
Eliana Caminada é professora de História da Dança na UniverCidade e Universidade Castelo Branco
e foi primeira bailarina do Theatro Municipal – RJ
Página pessoal:  http://www.geocities.com/caminadabr/index.html

 

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