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Jornal DAA Mosaico - 64

MOSAICO


Nesta edição o espaço do Mosaico é, mais uma vez, de Eraci Oliveira, convidada que nos brinda com “dança feliz” um conceito próprio da transmutação e das possibilidades experimentadas pelo humano frente ao dançar. Mais uma vez nosso quebra-cabeças contemporâneo convida a pensar, dançar e ...ser feliz.

 

 

UMA DANÇA FELIZ

 

Para este artigo, tentaremos algumas considerações sobre as experiências estéticas que os encontros com a dança nos proporcionam. Visto que este fenômeno, a despeito de se repetir com freqüência, está sempre nos surpreendendo, figura-se então como uma fonte inesgotável de inspiração, especulação, questionamento e acima de tudo encantamento, e como tal, além de todo e qualquer argumento lógico. Cabe-nos então, humildemente, nos render a supremacia da natureza de tais impactos, que como rodamoinhos, nos atiram diretamente no olho do furacão, enchendo de perplexidade a vida, zombando do senso comum, da censura e da crítica. Como uma criança, a dança reacende a chama da vida. Situemos então, a dança da qual falamos, e para tal iniciaremos por qualificá-la de uma maneira não muito comum. A exemplo de Gaston Bachelard, que magnificamente em “A Poética do Espaço”, qualifica as “imagens poéticas” como “felizes”, chamaremos de “dança feliz”, não o produto final de grandes produções, ou as manifestações espontâneas ou marcadas das danças populares, nem os fenômenos dançantes da cultura de massa. Chamaremos de “dança feliz” a própria essência do ato de dançar, que independente de sua motivação direta e imediata e de sua localização no espaço e no tempo, tanto ressoa quanto repercute como potência criadora, respectivamente, no âmago de quem a pratica e no de quem a recebe. Neste contexto, a dança é signo do novo ser que se recria a si próprio em plena vida, sobrepondo-se a todos os dramas a que está sujeito, como por exemplo: psicológicos, sociais, afetivos, metodológicos – talvez o mais dramático de todos – culturais, políticos, enfim, o drama generalizado de todas as forças do poder que subjugam e atrofiam as singularidades, mas que por fim, ao gerar tamanho incômodo, acabam por lançar-nos contra elas mesmas. Portanto, para entrarmos definitivamente no tema, sugerimos aqui a apropriação da expressão dança feliz propondo ainda, a seguinte questão: Como um acontecimento singular e efêmero de uma dança feliz pode fazer reagir, sem nenhum tipo de preparação especial, em outras almas e em outros corações o sentido da vida?

                Ultrapassando as barreiras do senso comum, uma dança feliz, a despeito de todo o processo que a precede e envolve, preserva o seu potencial de imprevisibilidade característico e toma de assalto não somente seus executantes como também seus expectadores, atualizando a vida. É o próprio fenômeno de transbordamento das subjetividades que repercutem pelo ambiente próximo, fazendo erguer-se ingenuamente dentro dos expectadores o dançarino que o habita, e no dançarino, o ser político que conclama a luta contra as barreiras que oprimem, restringem e cerceiam a vida no que ela tem de essencial. Este é o benefício direto e instantâneo que uma dança feliz opera, uma experiência salutar de emergência no duplo sentido desta palavra, pois nos faz sair de uma situação, normalmente crítica em que vivemos mergulhados, a situação do senso comum que se serve da linha pragmática da linguagem para a instauração da reflexão crítica que embota e detém toda a alegria da criação. O efeito imediato de uma dança feliz é como o cintilar de uma centelha de impulso vital, que apesar de não ser de necessidade crucial, serve como um tônico para a vida verdadeiramente dita. Não obstante, pode-se viver sem tudo isto, mas a vida torna-se mais feliz, mais bem vivida quando compartilhamos momentos fugazes e efêmeros com uma dança feliz. Por tal dança sentimos uma adesão instantânea, como se ela nos falasse diretamente ao coração. Apreender o seu sentido intrínseco, é recriar momentaneamente a própria vida, que sem percebermos, morre um pouco a todo instante, cada vez que lhe subtraem sua espontaneidade. Este é um dos maiores atrativos de uma dança feliz, a capacidade de proporcionar uma interação direta com forças que não passam pelos circuitos do saber e, no entanto se servem da técnica, da tecnologia, da cultura, assim como do improviso, do acaso e da imprevisibilidade. Para terminarmos, já que o espaço é restrito e o tema proliferante, podemos considerar tal encontro estético como uma experiência de liberdade, que mesmo inserida em um contexto, nos fala como um diferencial na evolução da história e não como um sub-produto seu. Portanto, uma dança feliz é aquela que nos incita a restituir o domínio sobre nossas vidas. Um exemplo de dança feliz é “Intervalo” do meu colega Frederico Paredes.

Eraci de Oliveira é bailarina

 


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