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Jornal DAA - Col. da Caminada - 61

COLUNA DA CAMINADA


CONSTRUÇÃO

 

Que a cidade do Rio de Janeiro, histórica e bela, tem sido vítima de práticas políticas vergonhosas e de uma inexplicável atitude autodestrutiva não é difícil constatar. Entretanto, superando percalços de toda ordem prosseguimos, pelo talento e alegria do nosso povo, a produzir arte de qualidade. Recentemente, o “Ballet Jovem”, companhia que se apresenta com alto nível de profissionalismo e perfeição técnica, levantou a platéia que lotava o auditório no excelente “Porto Alegre em Dança”. Dirigidos e orientados por Dalal Achcar e Mariza Estrella, aqueles adolescentes se revelam um inesperado cartão postal apto a nos representar em qualquer lugar do mundo, dançando, sim senhores, ballet. O programa do espetáculo, irrepreensível, assinado por Tíndaro Silvano, Luís Arrieta e Sérgio Lobato propõe caminhos que, sem negar a qualidade da técnica clássica, mostra que a criação acadêmica não morreu; só para os que apenas conhecem, assim mesmo de ouvir falar, o repertório do século XIX. E que tem surgido, de toda parte, excelentes bailarinos, sabe-se lá por que, revelados aqui. Menos olímpicos que intérpretes talvez por integrarem, com sua glória e seus problemas, o Corpo de Baile do Theatro Municipal, Cláudia Motta, Roberta Marques, Rodrigo Negri, Vítor Martins, René Salazar, Thiago Soares, entre outros, realizam muito mais do que vencer concursos: fazem carreira.

Na ausência de companhias com o mesmo perfil, os concursos têm sido a única saída para mostrar os novos professores e o valor do seu trabalho. E é nesse contexto que esta coluna abre espaço para o trabalho competente e idealista de Jorge Texeira, consciente de que está contrariando ícones que ‘não viram e não gostaram, ou olharam, mas não quiseram ver’. Estamos enveredando pelo equívoco de privilegiar, tão somente, aspectos sociais e terapêuticos para justificar o fazer artístico. Texeira tem uma visão profissional da cena que reputo muito importante e que, talvez, faça a diferença. Arte se autojustifica; ou corremos o risco de torná-la panfletária, problema com o qual os russos, com todo o seu talento, se debateram ao longo de todo o século XX.

Conversei com Jorge, coordenador da Academia Petite Danse e responsável pela “Companhia Brasileira de Ballet” sobre seu trabalho com a dança e os jovens:

Eliana Caminada: Você recebeu a griffe “Companhia Brasileira de Ballet”, utópico e belo sonho de Regina e Paulo Ferraz. Como se deu isso?

Jorge Texeira: Marilda Azevedo e Emílio Martins, que integraram aquele elenco e que sempre estimularam meu trabalho, conseguiram a autorização de Regina para que usássemos o nome da companhia. Considero uma honra, nosso primeiro grande prêmio.

EC: Questão de confiança e respeito mútuo. E sua tão questionada formação?

JT: Sou de família de militares, não foi fácil. Cheguei ao ballet através do tap, já formado em Belas-Artes pela UFF. Era a brecha necessária. Em pouco tempo dava aulas de sapateado na academia de Hortência Mollo com quem, escondido, estudava clássico, além de moderno e jazz com Ghislaine Cavalcanti - ambas são formadas pela Escola de Danças - e aulas de chão com Slava Goulenko, bailarina do Theatro Municipal. Fui o único aprovado numa audição para a "Companhia Brasileira de Sapateado" e dancei muito com Polyana Ribeiro. Mas era maduro e lúcido, percebi que não tinha dotes físicos para ballet clássico. Além disso, adoro lecionar.

EC: As pessoas falam do que não sabem. E ainda não superamos essa história de “Pretensioso. Não foi primeiro-bailarino! Como pode dar boas aulas?” Pois Cecchetti alerta em seu livro que raramente bailarinos de destaque, muito preocupados consigo para orientar os outros, ensinam bem. Divulgue seu currículo, até porque, ser brasileiro no Brasil é pejorativo; cultuamos estrangeiros, mesmo sem um dossiê à altura de nos julgarem e ocuparem nossos lugares. É verdade que não vale para todos, pistolão funciona. Você está rico?

JT: Não, mas hoje, graças à “Petite Danse” e a meu volume de trabalho, vivo com conforto. Entre aulas e ensaios trabalho, em média, 230 horas por mês de 2ª a sábado e se necessário uso até domingo. Além disso, toda 5ª às 11h a Academia reúne os professores num grupo de estudo, do qual participam fisioterapeuta, médico e psicólogo, para avaliar os problemas físicos dos bailarinos. Nas férias aproveito para fazer cursos e, se possível, levo a garotada. Gasto com prazer comprando vídeos e ingressos para espetáculos. Considero-me vocacionado, amo com intensidade e sem reservas o que faço.

EC: Ótimo. Bailarinos, em geral, só procuram conhecer o que vão dançar; fora isso ignoram tudo, parece que o mundo começa e termina neles. Alunos leais: qual o mistério? Você os prende?

JT: Ensino e encaminho em tempo integral, com uma atitude sacerdotal. Até nas fases difíceis, em que os jovens ficam expostos a todo tipo de perigos, os pais me pedem socorro. Mergulhar numa paixão como o ballet pode ajudar, sobretudo se o aluno acredita no professor. Gostaria sim, de viabilizar minha companhia, mas luto para que meu pessoal aceite as oportunidades que surgem; desde que boas. Integrar pseudocompanhias só por que é no exterior, não estimulo mesmo. Às vezes, eles é que não querem viver longe do Brasil. Não dou aula de graça, não iludo ninguém em qualquer sentido, sequer posso pagar salário fixo para os bailarinos. Consegui, com a academia, local para hospedar os rapazes. É tudo até agora. Sou exigentíssimo no trabalho. Ficam comigo os que querem, porque querem. Muitos estão encaminhados, atuam no Municipal, em outras companhias, na televisão e continuam freqüentando o estúdio. Como prender gente que precisa sobreviver?

EC: Seus bailarinos estão mais artísticos, parecem menos preocupados com excesso de técnica. Estou enganada?

JT: Não. Na verdade, fui até aconselhado a mostrar “resultados”. Alguns me diziam: “Você não é ninguém”. Não tive opção: ou nos submetíamos ao modelo festival: fouettés, tours, etc; ou não adquiria visibilidade e crédito.

EC: Quais são seus planos para a companhia?

JC: Tenho boas promessas que prefiro só comentar quando se concretizarem. Enquanto isso, atendemos convites e nos viramos com pequenos patrocínios. Estou endividado em função de verbas que faltaram na última hora. Mas a academia e eu temos muito claro que precisamos estimular as crianças ou falimos. Isso não impede que a exigência de qualidade seja afetada, mas a preocupação com a meninada tem que ser efetiva. No momento, temos dezoito lindas crianças para apresentar.

EC: Obrigada pela entrevista, Jorge. Que Deus, empresários, autoridades e colegas iluminem seu caminho e o de todos os que lutam, honestamente, pelo ballet  no Brasil. De preferência, unidos, adultos e sem rivalidades menores. Que assim seja.

 

***

 

RECONHECIMENTO

 

Não há como desconhecer. Aparecida Lima é a pianista que amou dança acima de sua carreira pessoal, que a ela, dança, dedicou mais de meio século de existência, sempre com o mesmo entusiasmo e encantamento. O lançamento de sua biografia de autoria do professor Paulo Melgaço, nada mais fez do que reconhecer uma dedicação na qual devemos nos espelhar.  Aparecida, parabéns, você merece muito mais, você é parte da história, não há como contá-la sem sua música.

Não há como desconhecer. Sérgio Britto é a grande personalidade cênica que contempla a dança sem qualquer preconceito de estilo e com surpreendente conhecimento de sua história.

É de artistas da música e do teatro como Aparecida e Sérgio que temos recebido desinteressadas declarações públicas de amor a nosso ofício. Dizemos amá-lo, mas, aparentemente, o usamos apenas como veículo de auto-realização ou de auto-promoção.

Glória, prestígio, fama, são ambições legítimas, desde que permeadas de generosidade. Mencionar apenas partners de renome internacional, por exemplo, além de antiético, revela  um individualismo e uma infantilidade que só gerou, até hoje, falta de respeito de uns pelos outros.

Em nome da grandeza desses dois artistas, Aparecida Lima e Sérgio Britto, sugiro lhes seja concedida uma medalha de honra ao mérito pelos serviços prestados a nosso ofício: dança cênica.

 

Eliana Caminada é professora de História da Dança na UniverCidade e Universidade Castelo Branco

e foi primeira bailarina do Theatro Municipal - RJ

Página pessoal: http://www.geocities.com/caminadabr


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