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Jornal DAA - Col. da Caminada - 58

COLUNA DA CAMINADA


Sincopizante

Tap + - Inovar, transformar, atualizar, reler, abrasileirar, todos esses verbos podem ser conjugados no espetáculo Sincopizante da companhia de Steven Harper. Com absoluto timing de desenvolvimento e duração da apresentação, o bailarino, coreógrafo e diretor conseguiu, com a parceria contemporânea de Mário Nascimento, o que muitos não acreditavam: mostrar que o tap está vivo, que as modalidades de dança não morrem quando artistas talentosos e apaixonados se reúnem para revivificá-la. E mais, que qualquer modalidade de dança tomará, fatalmente, a cara do povo que a executa sem que, para isso, seja preciso reinventar a bicicleta ou enveredar por clichês. Porque, obviamente, ali está a técnica tradicional do tap. Técnicas são técnicas e são insubstituíveis sempre. Desconheço os princípios do sapateado mas o que vi, independentemente de por que meios se expressaram seus criadores, é um divisor de águas no gênero.

A participação de Nascimento revela, neste brilhante coreógrafo contemporâneo, uma maneira de entender a dança que não exclui, ao contrário, reúne, inclui. E provoca o desejo de que juntos produzam outros trabalhos. Creio que não estaria exagerando se sugerisse que Sincopizante fosse apresentado fora do Brasil. Até porque, não se trata apenas de fugir do convencional, mas de revelar uma técnica que, ainda que oriunda de outra cultura adquire aqui um sotaque tão próprio que talvez o espetáculo inexistisse em outro contexto.

A busca de uma linguagem moderna se concretizou plenamente no gestual, na iluminação, na valorização do formidável trabalho rítmico inerente ao sapateado, inúmeras vezes a serviço do nosso, igualmente formidável, ritmo brasileiro. Contudo, paradoxalmente, Harper e Nascimento parecem prescindir do próprio sapateado explicitamente. É a dança que prevalece o tempo inteiro.

A malandragem e a irreverência cariocas assimiladas por Harper são contagiantes. Mas ele não está sozinho nisso. O elenco é impecável, as figuras são belíssimas, a unidade é absoluta. Adriana Salomão, Alice Fucs, Ana Fucs e o ótimo Bruno Barros, participam organicamente do espetáculo e contribuem de forma exuberante para o sucesso de uma temporada que, realmente, surpreende e redimensiona o tap no mundo da dança em todos os níveis, fazendo, inclusive, com que ele seja repensado nos cursos de dança oficiais, em geral.

Entrevista

Eliana Caminada: Steven, por que a opção pelo Brasil, mais especificamente Rio de Janeiro, sobretudo neste momento?

Steven Harper: Não foi exatamente uma "opção" mas a própria vida que me trouxe para o Rio. Venho de uma família meio nômade, onde há gerações cada um busca seu lugar no mundo. Cresci na Suíça, adoro o país, mas desde minha adolescência sabia que não ia morar nele. É um país organizado e previsível para meu gosto; a criatividade não tem lugar. Com 19 anos me mudei para Nova Iorque, cidade incrível, onde fiquei 4 anos. Aprendi muito, mas também sentia falta de algo. Parece que lá o "homem social" não existe, só o "homem profissional", o sucesso profissional. É um desgaste, sobretudo para quem não ganha muito e não pode desfrutar do que a cidade oferece de shows, restaurantes, etc. Em 1987 Carlota Portella me convidou para dar um workshop aqui no Rio. Adorei a cidade, meu trabalho foi muito bem aceito, encontrei a mistura certa de importância dada ao lado profissional, balanceado pelo prazer de gozar da vida, da natureza, dos amigos, sem pensar no sucesso sempre. É verdade que o Rio está passando por maus momentos e espero que tudo melhore. Creio que cada lugar oferece a mistura certa de que precisamos num determinado momento, assim não descarto a possibilidade de viver em outro lugar quando minhas prioridades mudarem. Mas, nesses últimos 11 anos, o Rio e o Brasil têm sido muito bons comigo. Agradeço ao povo brasileiro.

EC: Como o sapateado entrou na sua vida? Algum mito exerceu influência nessa escolha?

SH: O sapateado entrou de fininho. Estudei jazz mas, na verdade, meus primeiros passos no palco foram com pequenas companhias de dança contemporânea, ainda na Suíça. Em Nova Iorque meu objetivo era entrar nos musicais, então tinha que ter pelo menos uma base de sapateado. Não tinha um ídolo em particular. Simplesmente gostava de dançar. Acredite, nunca tinha visto um musical ao vivo! Fiquei muito impressionado com o filme "Quando Hollywood Dança" e também com o "Cotton Club", com Gregory Hines, que dava aulas de vez em quando na academia Steps, onde tinha bolsa de estudos. Comecei a fazer aulas; levava jeito, tive bons professores e recebi deles bastante incentivo. Num mundo tão competitivo como o da dança, tem que se concentrar onde se tem mais chance de conseguir algo e, algum tempo mais tarde ficou claro que meu caminho era o sapateado. Mas todas as formas de dança que estudei me influenciaram bastante.

EC: Você esperava o sucesso de Sincopizante?

SH: "Sincopizante" representa muitas coisas para mim. Coloquei muita pesquisa, esperança, trabalho e suor nesse trabalho. "Sincopizante" foi a forma de realizar idéias coreográficas que não podia completar por meio do formato solo. Queria algo mais do que o sapateado tradicional. A companhia leva o meu nome mas "Sincopizante" foi um trabalho de grupo. Eu coordeno a companhia, os ensaios, a direção empregada, levanto idéias, proponho improvisos direcionados, mas o crédito do sucesso é de todos. A companhia é excepcional em todos os sentidos, até porque os integrantes, com seus horizontes diferentes, carregam consigo muita versatilidade. Procuro deixar o máximo de espaço para a criatividade deles. Agora, sem dúvida, o elemento chave foi a contribuição do Mário Nascimento, com quem tenho imensa afinidade pessoal e artística. Temos grande respeito mútuo. Ele soube imprimir sua marca sem descaracterizar o nosso trabalho e sinto que abrimos uma porta que ainda vai trazer muita felicidade artística para todos nós.

EC: Você já tem planos para depois dessa temporada?

SH: Estamos trabalhando no sentido de levar nossa pesquisa de linguagem mais adiante. A equipe é a mesma, inclusive o Mário. Traçamos as linhas mestras do espetáculo e estamos buscando os melhores meios de realizá-lo. Depois de "Sincopizante" não será tarefa fácil, mas a linguagem descoberta é vasta e carrega potencial para vários espetáculos. Para o segundo semestre estamos dependendo de ajuda financeira, mas vamos conseguir.

EC: Qual é a diferença entre o tap norte-americano e o irlandês?

SH: O sapateado irlandês é uma dança folclórica que, levada para os EUA pela imigração, contribuiu para o desenvolvimento do sapateado norte-americano. No filme "Gangues de Nova Iorque" há uma cena rápida que retrata o processo de mistura entre negros, ex-escravos recém libertados, e imigrantes irlandeses pobres, que conviviam no sul de Manhattan. Ao contrário do que muitos imaginam, o sapateado americano foi desenvolvido pelos negros, nas suas danças e seus ritmos, mas inspirados pelo que encontraram nesse novo continente ao qual foram levados. Entraram também na receita elementos franceses (a alta sociedade de Nova Orleans, berço do Jazz, era francesa), escoceses, caribenhos, etc.

EC: Como você vê o tap no Brasil atualmente?

SH: Há anos o sapateado vem crescendo e o nível técnico tem melhorado bastante. Existem hoje, nas academias de todo o país bons professores, embora o Rio de Janeiro lidere o movimento. Faltam oportunidades profissionais para ele se desenvolver mais cenicamente, há pouquíssimo mercado de trabalho. O jeito é, para quem quiser realmente desenvolver essa arte, criar seu próprio espetáculo. É difícil: tem que saber elaborar o show, coreografar, produzir, apresentar, vender, .... é o caminho das pedras. Mas mesmo nos EUA é assim hoje em dia; todos os sapateadores se queixam da falta de trabalho. O sapateado não é mais uma dança "in". Por isso acho importante atualizá-lo, recriar seus códigos. Escolhemos um caminho; há outros. O importante é criar. A contribuição do Brasil nesse movimento pode ser fundamental.

Já previstas para os meses de maio e junho estão apresentações em São Paulo e Rio de Janeiro:17/5 no Clube Paineiras do Morumby, 31/5 - Teatro Municipal de Araraquara, 7/6 - SESC de São Gonçalo, 21/6 - SESC de Nova Friburgo e 25/6 - SESC de São José de Meriti.

Um Brasileiro no Royal Ballet de Londres

Não, não se constituiu numa surpresa. Ler a crítica do inglês John Percival considerando Thiago Soares o mais promissor novo bailarino do momento só surpreeende a quem nunca o viu dançar ou a quem, por total parcialidade, nunca quis admitir o óbvio: estamos diante de um talento absolutamente ímpar na história da nossa dança masculina.

No próximo número dedicarei a coluna a analisar a trajetória fulminante desse menino-bailarino de pouco mais de vinte anos, desde que o vi, pela primeira vez, no Festival de Joinville de 1999.

A crítica também fala com admiração de Roberta Marques. Ela é mesmo linda e, da mesma forma, não se constitui surpresa encantar o público inglês com sua "finesse", juventude e técnica.

Só que Roberta fez um caminho normal para seu talento e pré-requisitos físicos. Como aluna da Escola de Danças Maria Olenewa, ela já era notada como uma aluna excepcional e esperava-se o que ela está alcançando: a fama e o reconhecimento internacionais.

Onde os trajetos de ambos diferem é que Thiago começou aos 15 anos e veio da dança de rua, estudou pouquíssimo para chegar ao nível que atingiu, parece quase milagre.

É a este milagre que retornaremos na tentativa de relembrar, à distância, o caminho do primeiro bailarino brasileiro a apresentar um papel principal no exigentíssimo Royal Ballet.

Eliana Caminada é professora de História da Dança na UniverCidade e Universidade Castelo Branco

e foi primeira bailarina do Theatro Municipal - RJ

Página pessoal: http://www.geocities.com/caminadabr


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