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Jornal DAA - Col. da Caminada - 56

COLUNA DA CAMINADA


Vera Lopes formou-se pela Escola de Danças Maria Olenewa, é graduada em Educação Física, estudou com Gerry Maretzky e dançou no Grupo Coringa de Graziela Figueroa e na Cia. Aérea de Dança. Mas, antes de tudo, Verinha é um ser humano fora de série, com seu sorriso franco, seu olhar direto e sem subterfúgios. Vera Lopes é o melhor da dança e do Brasil, uma profissional rara. A exposição de seu trabalho em Villeurbane ocupará dois números de minha coluna, pela importância da realização e da própria Vera. Passo, nas próximas linhas, a palavra à própria Vera, que nos conta como foi sua experiência coreografando um desfile de rua na França:

Apresentação - Villeurbane / França, outubro de 2001: chego à cidade para desenvolver, em uma semana, meu projeto teórico - artístico "Do México à Patagônia, os caminhos de liberdade da América Latina" projetado para o grande desfile de rua envolvendo a comunidade local e que fora selecionado, entre muitos outros. Através de uma oficina de dança que integrava os preparativos para a realização da Xª Bienal de Dança de Lyon - 2002 sensibilizaria e envolveria essa comunidade com o evento. O engajamento sócio-político do trabalho foi uma constatação imediata: do grupo fazia parte um grande contingente de adolescentes e adultos oriundos de entidades ligadas à imigração, grupos em fase de readaptação à sociedade após diferentes distúrbios psicológicos, outros em tratamento de processos depressivos.

Solidariedade e ética: esse era o pensamento e a ação que perpassava aqueles homens e que, comprovavam a manutenção do ideal humanista de liberdade. Villeurbane - considerada uma "cidade de trabalhadores" - elege um governo de esquerda há 50 anos consecutivos e apresenta um projeto educacional eficiente e reconhecido, a partir de uma visão socialista e de uma forte organização de apoio aos imigrantes. As Ong's e Centros Culturais contam com expressivo espaço de ação para e com a atuante parceria dos Órgãos Públicos e Espaços Alternativos construídos através do diálogo entre Prefeitura e cidadão visando um bem sócio-cultural comum. O Centro Cultural Oecuménique - C .C .O intermedeia os trabalhos e atua, enquanto "referência para as associações e apoio a projetos que busquem a autonomia dos grupos", como defensor da democracia, dos direitos humanos e da luta contra as discriminações, promovendo o desenvolvimento individual e coletivo do homem dentro da sociedade.

Processo metodológico: privilegiou o aspecto inter-relacional dos grupos e das linguagens artísticas: dança, teatro, expressão corporal e voz. Através do ritmo e do fluxo comum do movimento dentro do grupo iniciei o processo de desconstrução do corpo contido/corpo traído em sua liberdade natal e estabeleci o caminho de impulso para um gesto pessoal, ativo e significativo. O resultado foi considerado fundamental para a energia e vibração do futuro desfile de rua e excelente pela sua capacidade de transformação e "poder de contágio" - considerando o contexto de psicobiologia de Henry Wallon.

Equipe de criação e apoio: a bailarina-assistente Tiemi Balleydier trabalhando com os adolescentes; o compositor Jean Michel Cayre na concepção musical; o professor Nasser Saidani na percussão; Anne-Marie Naudin na criação da ambientação e adereços; Anne Jonathan nos figurinos; e a maquiadora Cristelle Pallard na maquiagem, todos artistas locais interessados em explicações detalhadas sobre a condução do trabalho. Confirmada a escolha do projeto inicial e aprovada pela Prefeitura e pela direção geral da Bienal presidida pelo senhor Guy Darmet, tive então a honra de ver formalizado o convite para assumir a Direção Artística e a Concepção Coreográfica do desfile da cidade de Villeurbane, cidade vizinha de Lyon .

Desenvolvimento / 2002 - Villeurbane: retornando em julho pude vivenciar a importância de um processo de arte como projeto social no Primeiro Mundo. Verão, explosão coletiva: presenciei como a população renova sua coesão ao ser convidada a engajar-se em diferentes projetos promovidos pela Prefeitura e como esta se fortifica ao receber a adesão de seus cidadãos junto ao Programa Nacional de Cultura, Arte, Esportes, Ecologia. A engrenagem social se estabelece e o espaço coletivo é o cenário gerador de ações que beneficiam os próprios cidadãos em suas escolhas e decisões. É algo fantástico!

Bienal de Dança, de Artes Plásticas, Música e Teatro: incorporadas ao calendário chega-se ao momento da celebração da força da ação comunitária. A mobilização deu-se desde março, através de oficinas artísticas e reuniões de cada associação envolvida, que recebem da mídia a necessária divulgação de que, durante as férias de verão, serão oferecidas oficinas de danças latinas, percussão, artes plásticas, costura, adereços, maquiagem.

O projeto: Destaquei três vertentes sobre a questão histórico-política da América Latina: 1. a luta inicial entre os diferentes nativos contra a colonização espanhola e portuguesa; 2. o século XX, em que diferentes setores de trabalhadores lutaram contra a exploração dos "donos da terra ", desde a Revolução Mexicana até as ditaduras militares dos anos 70; 3. o momento atual, em que o poderio econômico dos Estados Unidos dita uma política monetarista que condena à miséria toda a América Latina.

O desfile: Utilizei-me de imagens da civilização Maia, do Movimento dos Revolucionários da Terra, da questão dos Indígenas, dos Negros, das Mulheres e dos guerrilheiros em geral. Abandonando heróis ou algum país, particularmente, fixei-me na capacidade de resistência e reorganização que o povo do continente latino apresenta, a partir de sua imensa fé na força da vida. Com isso ampliava a visão da dança e podia transitar por diferentes ritmos e passos característicos latino-americanos, fazê-los experimentar a alegria de nossas danças. Esse era o diferencial que acreditava poder mostrar e sensibilizar a todos que presenciassem e que vivenciassem o trabalho e então tornar concreto para os indivíduos do Velho Mundo essa crença que temos em um Novo Mundo.

"O desfile do corpo ao coração" ! (artigo da revista VIVA) magazine de Villeurbane: "A dança tinha sentido e todos os sentidos estavam em alerta. O grupo de Villeurbane - o mais importante do desfile - vibrou dos pés à cabeça levado pelo entusiasmo da coreógrafa Vera Lopes. Viam-se representações dos ditadores e a cabeça de Pinochet, no topo de uma vara, carregada por esqueletos que se juntavam, nos fazia lembrar da data de 11 de setembro, a data em que o presidente Salvador Allende foi assassinado. Viam-se os traços mudos de uma América Latina ferida, mas acima de tudo via-se um forte grito de vida latino !

O resultado: continua no próximo número

Nota: O encontro de políticos com a classe de dança, noticiado na edição passada, teve como organizador, além do Sindicato dos Profissionais da Dança do Rio de Janeiro, o Jornal da Dança (dirigido por Edézio Paz) e ao evento compareceram três candidatos: Rosana Batista (dep.estadual - PGT), Ciro TMRJ (dep. federal - PSB) e Chico Alencar (dep. federal - PT).


Eliana Caminada é professora de História da Dança na UniverCidade e Universidade Castelo Branco

e foi primeira bailarina do Theatro Municipal – RJ

Página pessoal: http://www.geocities.com/caminadabr


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